Geração de quê?

"A etiqueta da geração toma amiúde a parte pelo todo, dando hiper-visibilidade a alguns segmentos sociais e esquecendo outros"

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Gertrude Stein, que Woody Allen ressuscitou no seu último filme sobre Paris, chamava aos escritores americanos que passaram pela sua casa-abrigo parisiense (como Hemingway ou Scott Fitzgerald) a “geração perdida”. Tal epíteto poderia ser facilmente aplicado aos jovens da “geração bloqueada” de hoje, embora com um sentido consideravelmente distinto.

Atentem os leitores na profusão de categorias tantas vezes contraditórias que etiquetam os jovens de aqui e de agora: geração T (da tecnologia – iPod, iPad, iPhone); geração Y (porque a seguir ao X, do nome atribuído por Douglas Coupland em célebre livro, vem o Y); geração A, já agora, do último livro do mesmo Coupland (marcada pela vulnerabilidade, desafectação e perplexidade face às (im)possibilidades do seu percurso de vida); geração yuppie (dos jovens altamente qualificados e competitivos da "city"); geração Einstein (a do conhecimento e da democratização do ensino superior); geração yô-yô (das voltas que a vida dá em estatutos cada vez mais precários); geração nem-nem (nem jovem, nem adulta, nem a trabalhar, nem a estudar, nem autónoma, nem subalterna) ou geração “bloqueada”, como eu próprio sugeri em anterior crónica aqui no P3 (eu, que nem gosto das etiquetas geracionais, assumo aqui a cedência à tentação de nomear…).

Antes, na “geração” anterior, no início dos anos noventa do século passado (Meu Deus!, foi há tão pouco tempo – e, no entanto, uma eternidade), Vicente Jorge Silva cunhou o termo “rasca” por causa duns rabos mostrados a Couto dos Santos (na altura Ministro da Educação), obtendo rápida resposta de Ivan Nunes, que ripostou com a geração “à rasca”. O falecido Eduardo Prado Coelho entrou no debate com a proposta de uma “geração rasa”, porque isenta de referências históricas e de memória colectiva. Não deixa de ser altamente significativo que tenha perdurado o “à rasca”, para definir a geração dos “indignados”, sinal de que a precariedade se instalou e tem efeitos cada vez mais desestruturantes.

As categorias vencedoras da guerra das classificações ilustram o espírito do tempo e são um excelente indicador do ar que se respira, concedo nisso. É verdade também que o tempo histórico e o território marcam profundamente as pessoas, através de ciclos de socialização. Mas confesso que nunca me dei bem com o conceito de geração, porque leva a que se veja a floresta, ignorando as árvores. E cada árvore é singular.

Uma geração social engloba um conjunto de pessoas que se pautam por uma espécie de mínimo denominador comum de valores, comportamentos e visões do mundo. Mas quantos não se sentem desenquadrados face a tal camisa-de-forças? A etiqueta da geração toma amiúde a parte pelo todo, dando hiper-visibilidade a alguns segmentos sociais e esquecendo outros, algo que em muito facilita a vida ao marketing e aos políticos.

Recordo uma intervenção de Bernard Despomadères, que há muito trabalha nas iniciativas culturais do consulado francês do Porto, a propósito da “geração Maio de 68”. Vivendo na província francesa, montou com os colegas barricadas que esperavam a carga das forças policiais que, todavia, nunca apareceram, quiçá pela insignificância simbólica da localidade.

Muitas vezes esperamos o que nunca chega e contentamo-nos em fazer das pertença retórica a um colectivo imaginário um rótulo para outro ver. Mais importante seria um contributo efectivo para fazer uma geração: não a partir do nome, mas da prática. Tantos activistas de sofá, mas tão poucos militantes da mudança.

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