Tribunal da Relação impede consulta de processo que envolve reitor da Fernando Pessoa

Relação do Porto anula autorização concedida por juiz que está a julgar o caso e diz que após a decisão de fazer julgamento à porta fechada é proibida a narração de qualquer acto anterior. Sentença do caso é lida esta sexta-feira.

Foto
Salvato Trigo está a ser julgado DR

O Tribunal da Relação do Porto decidiu impedir o PÚBLICO de consultar o processo-crime que envolve o reitor da Universidade Fernando Pessoa, que está a ser julgado desde Outubro passado à porta fechada, por ter alegadamente desviado “pelo menos” três milhões de euros daquela instituição de ensino privado em benefício próprio e da sua família. A decisão, com data  de 9 de Maio, foi conhecida na semana em que será lida a sentença do processo, marcada para esta sexta-feira, na Instância Local Criminal do Porto.

O recurso para a Relação do Porto foi apresentado pela defesa de Salvato Trigo, que contestava uma decisão do juiz que está a julgar o caso — José Guilhermino Freitas — que autorizou, ainda que de forma limitada, a consulta do processo. Defendendo que os factos em julgamento eram atentatórios do “bom-nome, honra, dignidade, reserva da vida privada e familiar” de Salvato Trigo e que podiam ter “repercussão mediática”, que acarretaria “gravíssimos danos de difícil reparação” à universidade e ao seu hospital-escola, a defesa do reitor insistia que a consulta dos autos devia ser rejeitada “por inexistência” de “interesse relevante”.

A defesa sustentava que estes argumentos tinham suportado a decisão do juiz José Guilhermino Freitas de excluir a publicidade do julgamento e deviam levar igualmente o magistrado a não autorizar a consulta do processo. O advogado de Salvato Trigo insistia que “o dever de informar não é absoluto e irrestrito” e que como o julgamento decorria à porta fechada “jamais poderia ser notícia por parte da comunicação social”.

Sem analisarem a pertinência e os fundamentos invocados para excluir a publicidade do julgamento, dois juízes da Relação do Porto concluíram que um jornalista não pode consultar um processo que se encontra na fase de julgamento, mas com exclusão de publicidade.

No acórdão, assinado pelos juízes desembargadores Élia São Pedro e Pedro Donas Botto, sustenta-se que “depois de proferida decisão sobre a exclusão de publicidade da audiência não é autorizada a narração de qualquer acto processual anterior”. E acrescentam: “Resulta assim da lei que, no presente caso, existe uma proibição de narração dos actos processuais anteriores à audiência de julgamento, ou seja, a requerente [jornalista do PÚBLICO] não pode narrar/divulgar por qualquer meio, qualquer acto processual, pois a lei claramente o impede”.

Na primeira instância, o juiz, que autorizava a consulta do processo, dizia que enquanto a exclusão de publicidade se mantivesse não era “legalmente possível a narração de actos processuais, incluindo a audiência, sendo também, entre o mais, proibida e punida por crime de desobediência a reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados no processo, até à sentença de primeira instância”.

Os juízes da Relação sustentam que não podendo o PÚBLICO narrar ou divulgar qualquer acto processual “não existe interesse legítimo em consultar o processo”. “O interesse em consultar apenas para si, sem poder narrar o que consta dos autos, não existe, uma vez que a jornalista detém um interesse funcional que advém do direito/dever de informar o público em geral”, escrevem os desembargadores.

“É a construção de uma opinião pública bem informada, numa sociedade bem ordenada, democrática e plural que justifica a legitimidade da consulta por quem não tem qualquer interesse pessoal no processo”, defendem os dois juízes da Relação. Nunca, no entanto, reflectem sobre a decisão de realizar o julgamento à porta fechada, tomada num despacho oral pelo juiz José Guilhermino Freitas na primeira sessão do julgamento, depois de um requerimento da defesa de Salvato Trigo sustentar que um julgamento público causaria “danos irreparáveis na imagem e no bom-nome” da Universidade Fernando Pessoa, do seu hospital-escola e “de todos os seus alunos e profissionais” que nela “desempenham funções”.

Na resposta ao recurso apresentado pela defesa de Salvato Trigo, o advogado do PÚBLICO, Francisco Teixeira da Mota, lamentava “a forma clandestina” como este processo estava a decorrer, o que considerava “uma verdadeira afronta aos princípios do Estado de Direito democrático”. Classificava “inegavelmente chocante” que o juiz que está a julgar o caso tenha aceitado um requerimento do arguido a pedir a exclusão da publicidade, “em clara violação de disposições constitucionais e legais”. Considerava, por isso, que o despacho que determinou a exclusão da publicidade não só era inconstitucional, como ilegal e até “inevitavelmente nulo”. Os juízes da Relação nada disseram sobre isso, num acórdão com oito páginas seis das quais transcrevem elementos do processo.

Até ao momento e embora esteja marcada para esta semana a leitura da sentença, o PÚBLICO nunca conseguiu consultar o processo. Apesar de autorizar a consulta, Guilhermino Freitas entendeu que, como o arguido e a Universidade Fernando Pessoa, se opuseram à consulta, a autorização só se concretizaria depois de decorrido o prazo para estes recorrerem. Como Salvato Trigo recorreu, a autorização ficou suspensa até esta decisão da Relação, que vem cancelar a autorização e impedir a consulta.

Sugerir correcção
Ler 8 comentários