Só em 2019 estará pronto estudo sobre risco em dádivas de sangue por gays

São precisos mais 12 meses para investigar se foi ou não acertada a decisão de autorizar a dádiva de sangue por homossexuais. Ministério da Saúde disse há mais de um ano que os trabalhos estavam “em curso”, mas agora reconhece atraso.

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Até 2016, eram rejeitados dadores de sangues do sexo masculino que declarassem ser homossexuais NUNO FERREIRA SANTOS

O Ministério da Saúde mandou criar um grupo de trabalho para investigar se a dádiva de sangue por homossexuais e bissexuais aumenta a probabilidade de colheita de sangue contaminado com o vírus da sida e outras doenças. O grupo de trabalho não tem data para iniciar funções e só apresentará resultados em meados de 2019, indicou o Ministério da Saúde em resposta a uma pergunta escrita do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda. O PÚBLICO pediu esclarecimentos ao gabinete do ministro Adalberto Campos Fernandes, mas não obteve resposta.

Este grupo de trabalho é classificado pelo ministério como “comissão de acompanhamento” e surge no âmbito do estudo Comportamentos de Risco com Impacte na Segurança do Sangue e na Gestão de Dadores: Critérios de Inclusão e Exclusão de Dadores por Comportamento Sexual, com coordenação do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (Insa). Esse estudo, por sua vez, resulta da norma clínica 009/2016, da Direcção-Geral da Saúde (DGS), que autorizou homossexuais e bissexuais a candidatarem-se a dadores de sangue – desde que permaneçam sem qualquer contacto sexual nos 12 meses anteriores à colheita.

O ministério garantiu a 24 de Fevereiro do ano passado que o estudo do Insa estava “em curso”, mas até agora não foram apresentados resultados. Na resposta ao Bloco, esclarece que no último ano foi feita a “revisão de literatura” e a “elaboração do plano de trabalhos e sua orçamentação”. A tutela admite o atraso e argumenta agora que a “elevada complexidade do tema”, a “reduzida evidência científica” existente e uma necessária “reflexão aprofundada” implicaram “maior consumo de tempo”.

A pergunta do BE foi enviada a 10 de Abril, depois de o PÚBLICO ter noticiado atrasos no estudo do Insa. A resposta tem data de 11 de Abril e foi publicada nos últimos dias no site da Assembleia da República (onde surge com data de 4 de Maio).

As regras actuais para dadores de sangue representam uma novidade face aos “critérios de elegibilidade” que vigoraram até 2016, à luz dos quais eram rejeitados dadores de sangue do sexo masculino que declarassem, nos inquéritos de triagem feitos pelos serviços de colheita de sangue, terem tido sexo com outros homens. Prevalecia o entendimento de que a população classificada pelos médicos como “homens que fazem sexo com homens” (HSH) constituía um grupo de risco para infecções sexuais, ainda que o termo “grupo de risco” seja hoje considerado estigmatizante.

OMS recomenda inquéritos pré-dádiva

O sangue de todos os dadores é testado depois da colheita, segundo os especialistas, mas os inquéritos pré-dádiva são recomendados pela Organização Mundial de Saúde desde a década de 1970 porque as análises não são 100% fiáveis e uma doença presente no sangue pode estar em “período-janela”, isto é, em fase inicial e indetectável.

O grupo de trabalho terá como tarefas o levantamento de estudos e literatura técnica sobre risco infeccioso e também a aplicação de um modelo matemático de cálculo de risco, tendo em conta a população que em Portugal apresenta maior número de novos casos (incidência) e de casos acumulados ao longo dos anos (prevalência) no que respeita à sida e às hepatites B e C. Outro dos objectivos é o de determinar o risco residual infeccioso, ou seja, a quantidade de doenças que surgem no sangue recolhido mesmo depois da triagem de dadores e das análises ao sangue. Os especialistas querem determinar se a autorização de dádiva de sangue por homo e bissexuais, em comparação com o risco que existia nos anos anteriores à mudança do critério, aumentou ou não o risco residual.

Ainda a 24 de Fevereiro de 2017 a tutela tinha informado que nem a DGS nem o Instituto Português do Sangue e Transplantação participariam nesta investigação “por uma questão de salvaguarda da independência do estudo”. Mas agora entende que o grupo de trabalho deve ser integrado por aquelas duas entidades. Vão também participar a comissão parlamentar da Saúde, "um ou dois peritos das áreas em investigação" e o Fórum da Sociedade Civil para o VIH/sida (estrutura consultiva criada em 2017 e onde têm assento associações como a Abraço, a ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero e o GAT – Grupo de Activistas em Tratamentos).

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