Nova lei com calendário apertado para ser implementada

Fenprof pede adiamento da reforma, mas directores e professores entendem que a solução seria contraproducente. Versão final do diploma ainda não foi aprovada e há várias mudanças que precisam de tempo

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Número de alunos do ensino básico e secundário com Necessidades Educativas Especiais tem vindo a aumentar PAULO PIMENTA

Pais e professores começam a ter dúvidas sobre a exequibilidade da introdução da nova lei da Educação Especial no próximo ano escolar, como era intenção do Governo. A um mês do final do ano lectivo, o diploma ainda não foi aprovado em Conselho de Ministros e há várias mudanças que têm que ser preparadas, como a formação de professores e a constituição de novas equipas multidisciplinares.

“O que o Governo propõe não são simples mudanças na educação especial”, defende a dirigente da Fenprof Ana Simões: “É uma reformulação de todo o sistema educativo.” A lei da educação especial passará a ter o nome de regime legal para a inclusão escolar e, em teoria, as medidas do novo diploma aplicam-se a todos os alunos.

“Estas coisas não podem ser precipitadas", defende a mesma dirigente. O Ministério da Educação devia, por isso, “parar e rever a sua proposta”, abdicando de implementá-la no próximo ano lectivo.

O novo regime exige a introdução de “uma mentalidade novas nas escolas” e isso necessita de tempo, acrescenta a presidente da associação Pais em Rede, Luísa Beltrão: “Quanto mais depressa for aprovada a lei, mais rapidamente se pode começar a criar essas condições".

Só Fenprof quer adiar

A Fenprof é, porém, o único organismo a defender o adiamento da reforma. "Seria uma solução muito complexa. O documento perderia o impacto", discorda o presidente da Associação Nacional de Docentes de Educação Especial Pró-Inclusão, David Rodrigues, numa posição que é secundada pelo presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima.

Ainda assim, Rodrigues – que é também membro do Conselho Nacional de Educação – concorda que a implementação das mudanças está a ficar "um pouco em cima do próximo ano lectivo" e que o Ministério da Educação devia começar desde já a promover acções de sensibilização "muito pragmáticas" para que as adaptações necessárias possam iniciar-se no princípio do novo ano lectivo e estar "a todo o vapor" no segundo semestre das aulas.

É “preciso tempo” para trabalhar as mudanças propostas pelo Governo, corrobora Filinto Lima, mas directores e professores “já estão habituados a implementar lei com timings apertados”, sustenta.

O gabinete de Tiago Brandão Rodrigues não esclarece se o Governo mantém a intenção de implementar o novo regime no próximo ano lectivo. Ao PÚBLICO, a única resposta dada pela tutela é que o documento “está em processo legislativo”.

A versão final da lei foi enviada para a Assembleia Legislativa Regional dos Açores para análise no final do mês passado, o que faz antecipar que estará para breve a sua aprovação em Conselho de Ministros. Questionado sobre se já havia uma data para a aprovação definitiva do texto legislativo, o Ministério da Educação não respondeu,

Num parecer publicado em Março, o Conselho das Escolas, o órgão que representa os directores junto do Ministério da Educação, defendia que a nova legislação só poderá assegurar a “defesa dos interesses” dos alunos se for precedido ou acompanhado “de um plano de formação para o pessoal docente e não docente”.

A última versão conhecida da lei prevê também a criação de equipas multidisciplinares de apoio à educação inclusiva – que incluem cinco docentes e um técnico – cuja constituição precisa também de tempo para ser concretizada.

O Conselho Nacional de Educação recomenda, num parecer divulgado na sexta-feira, que sejam atribuídas horas de componente lectiva aos membros da equipa multidisciplinar, e que haja “um reforço adequado nas escolas de recursos humanos, materiais e organizacionais” para que a lei possa ser implementada.

Número tem aumentado

As ideias que estavam na base da primeira proposta apresentada pelo Governo foram apresentadas às escolas no início do ano lectivo por técnicos da Direcção-Geral de Educação. Nas últimas semanas, decorreram também em várias regiões do país, sessões de “formações para formadores”, que deverão ser responsáveis pela preparação dos professores para o novo modelo.

A solução causou estranheza junto das escolas, por não estar ainda aprovada a versão final da lei. Os directores queixam-se também da demora na marcação de sessões de esclarecimento sobre a nova lei. “Pedimos à DGE que nos viesse cá explicar as mudanças”, conta Filinto Lima. A reunião na escola que dirige, Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, está marcada para 4 de Julho, dentro de quase dois meses.

O novo modelo prevê que os alunos com Necessidades Educativas Especiais deixem de ter que passar por uma avaliação médica anual – Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIFIS), uma metodologia da Organização Mundial de Saúde que avalia o grau de incapacidade de uma pessoa – para medir os seus progressos na escola. Os critérios clínicos deixam de ter a preponderância que têm na actual lei, alargando-se, em teoria, a todos os estudantes e não apenas aos que têm necessidades permanentes.

As mudanças na educação especial faziam parte do Programa do Governo e, logo no início da Legislatura, foi criado um grupo de trabalho para rever a actual lei – que data de 2008 e tem sido alvo de várias críticas. Esse trabalho foi terminado há cerca de um ano e a discussão pública da proposta de diploma lançada em Julho de 2017.

De acordo com os dados mais recentes, o número de alunos do ensino básico e secundário com Necessidades Educativas Especiais tem vindo a aumentar, fixando-se em 87.081, em 2017/2018, segundo a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência.

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