Frente-a-frente com arguidos não resolve mistério do banqueiro angolano do Fizz

Quase sempre imperturbável, Carlos Silva foi acusado de “mentir com todos os dentes” por Orlando Figueira.

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Quem conhece o banqueiro angolano Carlos Silva fala de uma figura imperscrutável. Simpático? Sim. Educado? Muito. Competente? Igualmente. Mas também é muito difícil detectar-lhe sentimentos ou emoções.

Desvendar o seu papel no enredo que ficou conhecido como Operação Fizz foi a tarefa a que se propuseram os juízes e advogados do caso nos últimos três dias no Campus da Justiça, em Lisboa. Não porque seja arguido o homem que ocupou durante sete anos cargos de topo no Millenium BCP -  e que poderia estar na calha para assumir a liderança do banco, não fosse este escândalo. Mas apesar de mera testemunha assumiu, por via das acusações que lhe fazem dois dos réus, um lugar cimeiro numa trama recheada de traições e pagamentos de luvas, com encontros em hotéis e viagens a paraísos fiscais pelo meio.

Dizem que em 2011, motivos inconfessáveis levaram Carlos Silva a oferecer um emprego de director jurídico na banca angolana a Orlando Figueira, um procurador do Departamento Central de Investigação e Acção Penal com 25 anos de carreira. Uma versão dos factos que colide de frente com aquela que defende o Ministério Público, segundo o qual quem contratou o então magistrado e hoje arguido foi o vice-presidente de Angola Manuel Vicente, como forma de lhe pagar o arquivamento de uma investigação que este tinha em mãos e que o visava, por suspeita de branqueamento de capitais. Ainda de acordo com o Ministério Público, um empréstimo bancário de 130 mil euros que Orlando Figueira recebeu do Banco Privado Atlântico Europa, ligado a Carlos Silva, fazia também parte dos subornos pagos por Manuel Vicente. Entre salários e este crédito, são imputados ao procurador pagamentos ilícitos no valor de 763 mil euros.

Esta quarta-feira em tribunal o advogado acusado de intermediar o esquema, Paulo Blanco, descreveu como o banqueiro angolano apareceu para tomar café num hotel em que estava alojado com Paulo Blanco em Luanda durante uma viagem de trabalho a Angola e ofereceu emprego ao procurador. A certo ponto do confronto em tribunal com Carlos Silva não se inibiu de o tratar por tu, informalidade que usa mesmo com quem não tem relações próximas: “Uma coisa é o dever de gratidão que tenho para contigo, por me teres arranjado clientes, outra é o que ensino aos meus filhos sobre a verdade".

Uma "fábula"

Mas o banqueiro retorquiu com a palavra “fábula” para negar tudo uma e outra vez. Sem nunca perder a compostura, ao contrário do que tinha sucedido na terça-feira, durante o interrogatório feito pelo advogado de Manuel Vicente, Rui Patrício. Perante os relatos detalhados de Paulo Blanco e Orlando Figueira manteve o semblante impassível, embora de quando em vez lhe faltasse firmeza na voz: “É lamentável dizerem que eu fui a um hotel de Luanda convidar para trabalhar comigo uma pessoa que não conhecia, passando por cima dos órgãos de gestão do banco."

E se neste capítulo nada ficou esclarecido, o mesmo sucedeu em vários outros. Não admitindo ter contratado Orlando Figueira, nega igualmente tê-lo mandado abrir uma conta offshore para fugir aos impostos sobre o pagamento dos salários. O procurador admitiu ter viajado várias vezes até Andorra, donde regressava com molhos de notas. É a principal razão que o arguido encontra para Carlos Silva o desmentir: se admitisse ter estado envolvido no branqueamento de capitais sujeitava-se a perder a idoneidade para ter uma licença bancária.

Por apurar ficou igualmente se esteve envolvido na concessão do empréstimo do Privado Atlântico Europa a Orlando Figueira, coisa que também nega. O procurador diz que o banqueiro lhe perguntou de quanto precisava quando o recebeu na sede do banco, nas Amoreiras. “Então e eu ia buscar o dinheiro a seguir ao cofre, é isso?! Esse tipo de conversa não existe numa instituição bancária”, alegou Carlos Silva. Mas mesmo que a decisão não tenha sido sua, não existem dúvidas de que foi o seu banco a emprestar o dinheiro – e sem garantias, coisa que muito espantou os juízes e que não soube justificar.

Uma das poucas coisas que admitiu foi ter indicado por interposta pessoa o advogado Proença de Carvalho a Orlando Figueira, para que lhe resolvesse problemas ligados ao pagamento dos tais ordenados de director jurídico, cargo que o procurador de resto nunca veio a exercer. E que uma das sociedades angolanas com quem o procurador esteve para assinar contrato de trabalho tinha um irmão seu entre os accionistas.

Mas se tudo o que dele dizem os arguidos for mentira, qual será o objectivo? – quiseram saber os juízes. O ainda vice-presidente do BCP, a quem Orlando Figueira acusou de mentir com todos os dentes, preferiu outra vez não abrir o jogo: “Estou em reflexão, a tentar perceber.”

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