Todos os anos o palco muda. E os fãs vão atrás

Das cerimónias gravadas em VHS às primeiras viagens para assistir à Eurovisão, os fãs do festival chegam a Lisboa para manter tradições e criar memórias.

Car, espaço público
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Vestidos a rigor, os fãs do Festival passeiam com bandeiras atadas ao corpo Miguel Manso
Carro
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Para quem não conseguiu bilhete o destino é o Eurovision Village Miguel Manso
Protesto, Praça do Comércio
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Da Suécia vieram três amigas que acompanham o festival há 20 anos Miguel Manso
Protesto, Multidão
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O clima é de euforia Miguel Manso
Carro, festival
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Os fãs reuniram-se no Terreiro do Paço para assistir à primeira semi-final Miguel Manso

Junto ao palco da Eurovision Village, no Terreiro do Paço, em Lisboa, três raparigas de 30 anos dançam enroladas em bandeiras da Suécia. É a primeira vez que estão em Portugal, mas não são novatas a percorrer quilómetros atrás do palco da Eurovisão. Habituadas a não passar mais de dois ou três dias em cada cidade, abriram uma excepção para Portugal e prolongaram a estadia para conseguir visitar as praias e aproveitar o sol do país. A paixão pelo festival cresceu durante os primeiros anos da adolescência e manteve-se até aos dias de hoje, alimentada pelo simbolismo do concurso. “É um festival que nos une. Une todos os países, únicos no seu estilo, que com a música transmitem a sua mensagem. Os países a concurso são todos muito diferentes, mas ao mesmo tempo há uma transversalidade. Existe ali naquele palco uma demonstração de respeito”, considera uma das fãs suecas, Jessica Lofgren.

“Durante este período as pessoas ficam mais felizes e com uma atitude positiva”, acrescenta, enquanto as amigas vão assentindo com a cabeça. Para além de terem estado presentes em algumas finais realizadas em Estocolmo, capital da Suécia, as três amigas passaram por outras cidades anfitriãs do festival. Nelas trocaram bandeiras, bonés e até ponchos da Suécia pelos do país anfitrião e dos países das canções favoritas a concurso nesse ano. “Trocamos aquilo que trazemos connosco, mas só se conhecermos pessoas simpáticas”, explica Jessica, enquanto ajeita os óculos de sol na cabeça, onde nem as lentes escapam às cores da bandeira sueca. Ainda sem nenhum símbolo português, Jessica apressa-se a esclarecer que “acabaram de chegar” e só por isso é que ainda não têm consigo nada lusitano. Talvez aconteça no próximo sábado, no Altice Arena, onde estarão a assistir à final do concurso, antecipa a sueca. Apesar de estar a apoiar a Suécia, acredita que a música vencedora deve ser a canção da Dinamarca: Higher ground, interpretada pelo músico Rasmussen. 

Foto
Miguel Manso

Malta e a Finlândia também entram na lista. Já a música de Israel, Toy, apontada por muitos como a favorita à vitória, não convence Jessica, que não consegue isolar a canção de Netta Barzilai das questões políticas que envolvem o país. “A música é boa, mas Israel não é um país assim tão agradável”, remata.

“Estávamos a assistir ao espectáculo todos juntos no ano passado e depois da vitória pensámos: porque não ir a Portugal no próximo ano? E aqui estamos”, resume Angeelika, de 25 anos, enquanto abraça sobre si a bandeira da Estónia, ao lado de três amigos. Aleksi, de 24, é finlandês, mas torce também pela Estónia, ao lado do namorado Rala, também de 24 anos. “Toda a gente se une, não apenas como país, mas enquanto comunidade”, sublinha Aleksi. Os quatro vão assistir ao espectáculo final a partir da Eurovision Village. A presença na próxima edição dependerá de qual for o país vencedor e do orçamento necessário para a viagem.

Suécia, Dinamarca, Reino Unido, Áustria ainda se encontram entre os destinos possíveis e por todos eles já passaram Silvia e Connie, duas irmãs norueguesas que passeiam pelo recinto. “É uma coisa de família, mérito da nossa mãe”, contextualiza Silvia, enquanto recorda uma das suas canções favoritas, Let it swing, interpretada pelo grupo norueguês Bobbysocks em 1985. Apesar de não terem conseguido bilhetes para a final, isso não as desmotivou para a viagem. Estão totalmente preparadas para assistir à cerimónia a partir do Terreiro do Paço, embora respondam em uníssono que não acreditam na vitória norueguesa com um longo “no”. Há pelo menos uma vantagem na derrota: um novo país para visitar.

Uns metros atrás, com um cachecol português ao pescoço, está Gonçalo Santos. Com ele estão mais duas pessoas — também equipadas com as cores nacionais —, mas “o verdadeiro especialista é ele”, esclarecem imediatamente. Fã da Eurovisão há 46 anos, tantos como os que tem de vida, a primeira memória que Gonçalo guarda do festival recua a 1977, com a música Frère Jacques da luxemburguesa Anne-Marie B. 

Desde então a Eurovisão passou a ser obrigatória na televisão do fã português. As cerimónias eram — sem excepção — gravadas em VHS, em cassetes que mantém “religiosamente guardadas” em casa. “Naquela altura não havia YouTube. Só podíamos rever o Festival da Canção e Eurovisão em cassete”, lembra. “As pessoas ficavam obcecadas a olhar para o ecrã. Também só havia aquele canal [RTP]. Era um momento nacional”, recorda Gonçalo. Agora, finalmente, pode assistir ao festival ao vivo e não a partir do sofá. Depois de ter espreitado os ensaios dos artistas, o ponto alto está guardado para a final de sábado. Conta que a canção portuguesa, O jardim, na voz de Cláudia Pascoal, “tem outro impacto ao vivo”, ao contrário da música de Israel, que o desiludiu. A aposta vai para Eleni Foureira, com música Fuego, de Chipre — que horas depois se apuraria para a final.

De um dos países favoritos à vitória, Israel, encontramos no Eurovision Village Michael Harosh e Berry Tepman, devidamente identificados com a bandeira do Israel. Esta é para os dois israelitas de 29 anos a primeira vez se deslocam a um país anfitrião, mesmo sabendo que não poderiam assistir à final, uma vez que será nesse dia que o irmão de Michael se irá casar. Ainda assim, e em véspera da boda, os dois amigos não abandonaram a ideia de fazer as malas e vir até Lisboa, sabendo que pelo menos poderiam assistir aos ensaios dos concorrentes. Decidiram fazê-lo ainda “muito antes” de a canção concorrente do seu país se tornar uma das favoritas à vitória.

Foram “o tempo fantástico, a cidade à beira-mar” que convenceram os dois amigos a estrearem-se em Lisboa. Para Michael, o interesse pela Eurovisão é relativamente recente. “Começou há uns seis anos”, mas este está a ser o ano mais intenso da experiência eurofestivaleira. Já Berry começou mais cedo. “A minha mãe era fã, por isso era um ritual assistir ao festival lá em casa em família, todos os anos”, recorda. Lembra-se de canções como My number one, de 2005, e a popular Euphoria. “A conexão entre todos os países é incrível. Enquanto fã, sinto que é a única altura em que te podes encontrar com outros países e é apenas a música que importa”, explica o fã israelita.

“Neste festival podes ser quem tu és, é um festival bastante liberal”, continua Michael. “Este ano, por exemplo, a música da Irlanda é acompanhada por uma actuação de dois bailarinos, homens, que representam um casal do mesmo sexo. É fantástico. E só a Eurovisão consegue isso num horário familiar”, defende o fã israelita. Michael conhece todas as músicas concorrentes e até já decorou as actuações. Michael fala e olha para os ecrãs espalhados no Terreiro do Paço, enquanto a actuação da Bielorrússia é transmitida e antecipa cada movimento do artista. “Olha para a rosa que ele tem na mão, agora vai entregá-la ao operador de câmara. Repara, repara”, repete, divertido. “Esta não vai longe”, antecipa, pouco impressionado (acertaria).

Sem arriscar um vencedor, os dois israelitas partilham com os restantes fãs uma única certeza: o festival é o incentivo perfeito para conhecer Lisboa. All aboard!

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