Benefícios fiscais: o essencial e o acessório

O mais importante talvez não esteja em decidir o que se corta mas em saber controlar o que fica.

De tantos em tantos anos, volta à ordem do dia o tema da reavaliação dos benefícios fiscais. É assim porque o Estatuto dos Benefícios Fiscais obriga à revisão periódica de um conjunto de benefícios, sujeitos a uma regra de caducidade. E é assim porque, quanto à generalidade dos benefícios, faz sentido confirmar regularmente se a manutenção se justifica ainda. Eis onde estamos de regresso em 2018, com os trabalhos de reavaliação já lançados pelo Governo.

Sempre que isto acontece, a discussão tende a centrar-se em saber que benefícios se devem manter e quais devem ser eliminados. No IRS, gastamos mais com os residentes não habituais do que com os deficientes, no IVA financiamos com 300 milhões a restauração em anos-recorde no turismo, no ISV subsidiamos os ligeiros de mercadorias à razão de 200 milhões por ano. Existem benefícios que representam uma perda considerável de receita, como os 90 milhões do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarias (SIFIDE) ou os 140 milhões do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI). E além disto há a bagatela, a despesa fiscal irrisória a sugerir eficácia duvidosa ou erro de método, como os 98 euros gastos com as frotas de velocípedes ou os 356 euros com as zonas de intervenção florestal.

Entre tanto número, com certeza há por onde cortar, ainda que a experiência nos mostre que não é fácil cortar nos benefícios mais dispendiosos, seja porque se prendem com escolhas-chave de política económica e social (I&D, emprego, capitalização das empresas), seja porque em torno deles se enraizaram interesses com grande capacidade de mobilização política (sistema financeiro, cultura).

Em qualquer caso, o mais importante nisto talvez não esteja em decidir o que se corta mas em saber controlar o que fica. Em larga medida, o problema dos nossos benefícios fiscais, de todos os benefícios fiscais, é um problema de controlo. Os benefícios são atribuídos a entidades que nem sempre cumprem os seus fins, a investimentos que não geram o emprego que prometem, a operações que não mantêm os contornos que a lei prevê. Subordinamos a concessão de benefícios a condições precisas, para termos certeza de que produzem efeito. Quanto mais precisas essas condições, no entanto, mais difícil se torna fiscalizá-los. E é neste défice de controlo que está a origem de muitos dos problemas e “casos” com que nos temos confrontado — nas IPSS, partidos políticos, cooperativas, Zona Franca da Madeira, etc.

Por isso, talvez fosse de começar por aqui. Assim de cabeça: fazer o levantamento dos recursos disponíveis para a fiscalização e o balanço da acção da AT, reavaliar os benefícios em função das condições para o seu controlo, simplificar pressupostos e fixar com clareza os deliverables, condicionar o aproveitamento de muitos benefícios à inspecção periódica, subordinar a eficácia de alguns benefícios à sua divulgação online, clarificar as regras da cumulação de benefícios e do resultado da liquidação do IRC, criar cláusulas-travão noutros impostos que não IRS e IRC, divulgar regularmente beneficiários, valores e contrapartidas mas também acções inspectivas realizadas pela AT e seus resultados, melhorar a informação sobre despesa fiscal no Orçamento do Estado.

Para usar o jargão do ofício, talvez importe mais rever a parte geral do EBF do que a sua parte especial. É coisa que se faz num par de meses. E talvez seja mais fácil reunir algum consenso político em torno destas questões do que na guerra de trincheiras entre os fundos de investimento e os direitos de autor.

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