Afinal Nefertiti não está escondida no túmulo de Tutankhamon

Hipótese divulgada no Verão de 2015 por um egiptólogo britânico foi agora afastada em definitivo pela terceira equipa de especialistas encarregada de procurar uma câmara secreta no túmulo do jovem e célebre faraó. O lugar onde está sepultada esta rainha de beleza lendária continua a ser um mistério.

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Câmara onde está o sarcófago de Tutankhamon, no Vale dos Reis Reuters/Mohamed Abd El Ghany

Há quase três anos que alguns egiptólogos sonham encontrar um quarto secreto no túmulo do faraó Tutankhamon. Há quase três anos que sonham que nesse quarto secreto está a rainha Nefertiti, cujo busto descoberto em 1912, hoje no Neues Museum de Berlim, pôs gerações a rotulá-la como uma das mulheres mais bonitas da antiguidade. Agora as autoridades egípcias vieram dizer que chegaram à conclusão de que não há qualquer câmara escondida no célebre túmulo com 3300 anos, que o mundo ficou a conhecer em 1922, numa campanha arqueológica chefiada por Howard Carter e cheia de peripécias. As mesmas autoridades que chegaram a dizer que estavam “90% certas” de que tal câmara existia.

O investigador que levantou essa possibilidade no artigo The Burial of Nefertiti, desde logo envolvida em intensa polémica, é o egiptólogo Nicholas Reeves, da Universidade do Arizona, autor de uma célebre biografia daquele que ficou conhecido como Akhenaton (que subiu ao trono como Amenothep IV), pai de Tutankhamon e a quem muitos se referem como faraó-herege, por ter tentado promover a crença num deus único, ou pelo menos dominante, num Egipto politeísta.

Nesse artigo Reeves explica por que razões acredita que o túmulo do jovem faraó que ficou célebre porque as suas câmaras funerárias foram descobertas sem que tivessem sido saqueadas – e, por isso, com todo o seu fabuloso tesouro no interior – poderia ser também o da rainha Nefertiti, que durante muito tempo foi dada como possível mãe deste rei que morreu quando tinha apenas 18 anos.

Investigações de 2010 mostraram, no entanto, que Nefertiti não pode ser a mãe deste filho de Akhenaton e dão como hipótese mais forte e ainda não confirmada que ela seja Kia, segunda mulher do faraó.

Entrada escondida na pintura

Reeves examinou com minúcia a câmara onde foi encontrado o sarcófago de Tutankhamon a partir de imagens de alta resolução feitas com um scanner 3D por uma empresa encarregada de criar uma réplica do túmulo e, com base naquilo que lhe pareciam os vestígios muito subtis da ombreira de uma porta na parede norte e alterações na técnica de aplicação das tintas, levantou a hipótese de uma das pinturas murais camuflar a entrada para outra sala.

Na esperança de que a teoria do académico britânico levasse a uma das mais sensacionais descobertas da egiptologia das últimas décadas, o Conselho Supremo de Antiguidades do Egipto resolveu recorrer à mais moderna tecnologia de radares e analisar a câmara. As duas primeiras fases dos trabalhos com técnicos japoneses e americanos foram inconclusivas – uns dados pareciam corroborar Reeves, outros contrariá-lo –, mas agora a equipa de especialistas da Universidade Politécnica de Turim, liderada pelo italiano Francesco Porcelli, veio dizer que não tem dúvidas de que a sala secreta que muitos esperavam encontrar na realidade não existe.

“Talvez seja uma desilusão que não haja nada por trás das paredes do túmulo de Tutankhamon, mas, por outro lado, isto é boa ciência”, disse Porcelli, aqui citado pela televisão pública britânica, congratulando-se sobre o facto de estes dados mostrarem quão útil e conclusivo pode ser o radar na egiptologia e na investigação arqueológica em geral.

“O nosso trabalho mostra, de forma conclusiva, que não há câmaras escondidas nos corredores adjacentes ao túmulo”, acrescentou na quarta conferência internacional dedicada ao jovem faraó sepultado no Vale dos Reis, que começou no Cairo a 5 de Maio, em que apresentou os dados do estudo que conduziu, lamentando em seguida que eles não corroborem a teoria de Reeves, segundo o jornal inglês The Telegraph.

A equipa deste italiano recorreu a três radares de última geração (ground penetrating radar, GPR) para detectar espaços vazios em torno do túmulo, uma técnica não-invasiva que geralmente é usada para procurar petróleo ou gás e cujos dados foram cruzados com os das anteriores equipas, incluindo os que resultaram de uma cartografia tridimensional do subsolo em redor das câmaras funerárias.

Para que as dúvidas fossem reduzidas ao mínimo, os três radares foram usados por outros tantos grupos de técnicos trabalhando isoladamente, sempre fora do horário de visita do Vale dos Reis, e usando frequências diferentes (média, baixa e alta), explica no seu site a National Geographic Society, que se associou ao projecto.

Porcelli acredita que as anomalias detectadas pelas duas equipas anteriores no KV62 (nome técnico do túmulo do faraó Tutankhamon, assim conhecido por ter sido o 62.º descoberto no Vale dos Reis – KV, Kings’ Valley –, a necrópole da importante cidade de Tebas, actual Luxor), e que aumentaram as expectativas quanto à possibilidade de ele poder levar ao local onde estaria sepultada Nefertiti ou outro qualquer membro da família real, resultaram de “sinais-fantasma” – falsos reflexos captados pelo radar que tinham origem nas próprias paredes e não em algo por trás delas.

Isto terá acontecido, explica-se ainda no site da National Geographic Society, porque, a dada altura, o radar não foi capaz de atravessar as paredes do túmulo e se limitou a viajar por elas, devolvendo depois um falso sinal. “A própria rocha pode ter características que causam este fenómeno”, diz o investigador italiano.

Khaled al-Anani, ministro das Antiguidades que veio já reconhecer os resultados da equipa italiana, garantiu ainda, durante a conferência internacional no Cairo, que a primeira fase da construção do novo museu arqueológico da cidade, em Gizé, junto às pirâmides, estará concluída no final deste ano, embora a data da sua abertura esteja ainda por decidir. O museu, que tem estado envolvido em polémicas várias, vai expor uma colecção de mais de 43 mil objectos, 4500 dos quais do túmulo de Tutankhamon, e deverá ser inaugurado em pleno em 2022.

Ao que tudo indica, até lá, e apesar de inúmeras tentativas nas últimas décadas, é bem provável que os restos mortais de Nefertiti permaneçam por localizar. Saber onde está sepultada esta mulher de beleza lendária que deu seis filhas a Akhenaton e que terá governado até que o seu enteado Tutankhamon pudesse subir ao trono, continua a ser um dos grandes mistérios da egiptologia.

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