Bruxelas, a capital europeia dos “lobbies”

O Corporate Europe Observatory publicou o "Planeta de Lobbies", um guia turístico para quem quiser entender quais são os grandes actores, as suas tácticas e consequências para políticas da União Europeia

Foto
Francois Lenoir/Reuters

Em Bruxelas, um bairro de poucos quilómetros quadrados acomoda as instituições centrais da União Europeia (UE) — este bairro é também a capital europeia de lobbies. Em Bruxelas, lobbying — actividades para moldar decisões políticas de acordo com interesses privados — é já, e por si só, uma indústria milionária. Maior apenas Washington D.C., mas a maioria dos europeus não faz ideia do que acontece aqui.

A cada par de anos vemos um novo escândalo em que multinacionais tiveram demasiada influência sobre o processo político europeu. Só na semana passada, a re-autorização de glifosato — o componente potencialmente cancerígeno usado em pesticidas — levantou questões sobre o poder da Bayer e Monsanto. E quase dois anos após o início do Dieselgate, a Volskwagen continua a evitar multas e recompensações aos clientes que enganou.

Contudo, para lá dos escândalos ocasionais, poucos entendem a dimensão da indústria de lobbying europeia ou o seu impacto nas decisões políticas.

Hoje, estima-se que mais de 25.000 "lobistas" trabalhem em Bruxelas, a grande parte em favor das grandes multinacionais e associações empresariais. E esta é um actividade rentável, mexendo pelo menos com 1.5 mil milhões de euros por ano.

O centro desta actividade acontece num bairro que podemos atravessar em menos de dez minutos, mas para quem está de passagem é quase impossível entender o que se passa aqui. Por isso, o Corporate Europe Observatory publicou o "Planeta de Lobbies", um guia turístico para quem quiser entender quais são os grandes actores, as suas tácticas e consequências para políticas da UE.

Vejamos, por exemplo, a rotunda Schuman. Aqui encontra-se o edifício da Comissão Europeia, onde funcionários e comissários preparam propostas de legislação. Do outro lado da rua está a sede principal do Conselho da UE, onde as cimeiras e reuniões de ministros ocorrem. Estes são os dois prédios que continuamente aparecem na televisão em Portugal, com as bandeiras azuis em pano de fundo.

O que não vemos na televisão é que estes edifícios estão rodeados pelas sedes das multinacionais e grandes grupos de lobby mais activos em Bruxelas, incluindo Facebook, Volkswagen, Shell e o grupo que representa os bancos ingleses, City of London.

O exemplo da Google

Para explicar as estratégias usadas é melhor recorrer ao exemplo da Google. Em apenas cinco anos, o orçamento que a multinacional dedica a influenciar a UE aumentou 700%, culminando em mais de 5 milhões de euros em 2016.

Isto talvez não espante, considerando que a UE dedica cada vez mais atenção a regular a área do digital, desde privacidade online, copyright e luta contra monopólios. O que é capaz de surpreender é a diversidade de estratégias usadas. Na Google, por exemplo, mais de metade dos "lobistas" foram recrutados directamente das instituições europeias, o chamado efeito da porta giratória.

Para defender as suas posições, nem sempre populares, a Google contratou pelo menos seis empresas de consultadoria, externalizando o seu lobbying. Para além disso, a multinacional norte-americana participa em várias associações industriais que coordenam e representam os interesses dos seus membros, como a DigitalEurope.

Mas não só. A Google é também membro da BusinessEurope, a associação que representa 40 organizações de empregadores nacionais, mais as multinacionais que pagam extra, tais como a Google, e que por isso ganham um acesso incomparável a políticos europeus.

A Google também não se acanha em assumir estratégias mais controversas, como financiar associações que pretendem representar consumidores e escondem as ligações a empresas (Associação Europeia de Privacidade), patrocinar pesquisa supostamente independente e, até, seduzir funcionários públicos com festas e debates.

Porque é que funciona?

O lobbying existe fora de Bruxelas (incluindo em Portugal), mas aqui há uma diferença fulcral: o bairro europeu é uma câmara de eco onde os actores parecem diversos, mas, na verdade, a maioria representa os mesmos interesses. E nesta câmara de eco as vozes de cidadãos não entram.

O poder das multinacionais cresce na ausência de escrutínio público e com a falta de responsabilização do poder político. É urgente reformar a maneira como actores políticos interagem com actores económicos.

Por isso, o Corporate Europe Observatory está a co-organizar uma sessão pública sobre o poder das multinacionais na União Europeia, em Lisboa, já esta quinta-feira, 7 de Dezembro, pelas 21h, no Mob — Espaço Associativo.

Sugerir correcção
Comentar