“A relação com os nossos irmãos afecta-nos para toda a vida”

O projecto fotográfico Shared pretende "revelar algo de universal sobre as relações fraternas", explica Nelli Palomäki. Sob a forma de depoimento, a fotógrafa finlandesa partilhou com o P3 as suas reflexões sobre o trabalho

Retrato da fotógrafa finlandesa Nelli Palomäki
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Retrato da fotógrafa finlandesa Nelli Palomäki
Nelli Palomäki
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Nelli Palomäki

"Tudo começou de forma muito natural. Fotografei crianças e jovens durante muitos anos e por isso estava constantemente rodeada de irmãos e irmãs. Muitas vezes dava por mim a observar as pequenas interacções entre eles. A proximidade física sempre captou a minha atenção. Sempre me espantou notar como alguns irmãos pareciam literalmente fundir-se numa só pessoa quando fotografados — ou como alguns pareciam desconfortáveis com a simples proximidade física. As diferenças intrigavam-me. Os retratos de Shared permitem-nos observar as parecenças físicas entre os irmãos e os indícios das relações de poder que se estabeleceram ao longo da sua convivência.

Durante um período das suas vidas (no caso de terem sido criados juntos), os irmãos são forçados a partilhar quase tudo. Mesmo que não sejam muito próximos, existe uma grande probabilidade de um conhecer os segredos mais sombrios do outro. Partilhar tanto com alguém durante um período de tempo em que se é tão frágil, ao mesmo tempo que se lida com o crescimento em toda a sua complexidade, dá origem a este laço tão especial que existe entre irmãos.

Existe uma grande diferença entre uma boa amizade e uma boa relação fraterna, por exemplo. Na última existe mais obscuridade, mais sentimentos de desconforto. Há coisas que podemos esconder dos nossos amigos e que são muito visíveis aos olhos dos nossos irmãos. Naturalmente, isto está relacionado com o amor e a coesão, mas também com sentimentos mais complexos, como a inveja ou a preocupação. Ao contrário do que acontece com a amizade, uma pessoa não pode escolher os irmãos ou as irmãs. Isso torna a relação algo irónica — será provavelmente a pessoa mais próxima que não escolheste para partilhar a tua vida, as tuas experiências. Os irmãos são, em muitos casos, as pessoas em quem mais confiamos e que mais admiramos. A relação com eles afecta-nos para o resto das nossas vidas, seja qual for o papel que cada um assume: tímido, calado ou activo e dominante, racional ou emocional, calmo ou temperamental; a maioria de nós ainda carrega estas definições que se criaram quando éramos crianças e muitos continuam a acreditar nelas como se fossem verdade para o resto das suas vidas.

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Os irmãos Zane e August ©Nelli Palomäki

Dei por mim, com o tempo, a pensar que nunca tinha reflectido sobre o quanto a minha irmã teve influência sobre a pessoa em que me tornei. Por vezes ainda comparo as nossas vidas, personalidades e princípios. Mesmo que não exista inveja ou competição, existe sempre comparação. Para mim, ter sido a irmã mais nova afectou grandemente a pessoa que sou hoje; afectou até a forma como lido com a minha própria maternidade, por exemplo. Todos nós desejamos que as nossas relações familiares se baseiem na igualdade, mas isso nunca acontece, de facto. A comparação que é feita entre irmãos afecta inevitavelmente a forma como nos percepcionamos e a forma como aprendemos a lidar com os nossos altos e baixos. Eu sinto que os meus pais erraram comigo e com a minha irmã [no sentido em que não nos trataram de igual forma] e hoje tento agir de forma diferente com os meus filhos. É extraordinariamente difícil. Noto que o meu filho e a minha filha obtêm diferentes reacções da nossa parte perante situações idênticas, sem que para isso exista uma razão particular. Era exactamente assim comigo e com a minha mãe e será, provavelmente, assim em todas as famílias.

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Irmãs Aimo e Saima ©Nelli Palomäki

A minha irmã, por exemplo, sempre foi muito independente e forte e é ela quem me guia em momentos difíceis. De certo modo, somos muito parecidas, embora sejamos completamente diferentes. Eu não seria uma artista se a minha irmã não se tornasse médica. Como a filha rebelde, queria fazer algo completamente diferente do que ela escolheu. As suas escolhas, no final de contas, ajudaram-me a escolher o meu caminho."

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