Starsky & Hutch, uma dupla com pedalada para o ambiente

A viagem de Martin Hutchinson começou há onze anos, na América Latina. Depois de 34 mil quilómetros de caminhada, prepara-se para mais nove anos, desta vez a pedalar. É a viagem mundial pelo ambiente, com um cão português a acompanhar

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Os detectives Starsky e Hutch – que davam o nome à série de televisão norte-americana – andavam pelas ruas de Bay City a resolver "casos de polícia", sempre acompanhados do seu carro vermelho, o Striped Tomato. Agora, há uma nova dupla a percorrer o mundo, com uma outra missão: consciencializar para a protecção do ambiente. Em vez de um automóvel encarnado têm um triciclo, com uma placa que anuncia ao que vêm: “Você está a seguir a viagem mundial pelo ambiente”.

Esta dupla tem outra particularidade. É Hutch quem conduz e não Starsky, que acompanha o cúmplice ao longo da rua pelo passeio ou ao seu colo nas descidas. Vamos descodificar: Hutch é Martin Hutchinson, um ambientalista que anda à volta do mundo, e Starsky é o seu mais recente companheiro, um cão recrutado em Aljezur.

Esta é a segunda parte de uma viagem que começou em 2006, quando imprevistos fizeram com que o percurso que o britânico queria fazer pela costa africana em direcção à América Latina terminasse abruptamente com um resgate por um barco australiano e com Hutch a ver o iate a ir ao fundo. Mas não vale a pena olhar para trás. “Se não fosse por isso, nunca tinha embarcado nesta viagem. Portanto, temos de aprender a deixar as coisas ir. Se deixarmos, alguma coisa melhor aparecerá”, explica.

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Hutch conheceu Starsky num canil em Aljezur. Agora ganhou um novo companheiro para a volta a mundo DR

Não é improvável que te tenhas cruzado com estes exploradores nos últimos meses por cá. Martin tem pedalado Portugal de sul a norte, passando por Lagos, Lisboa, Figueira da Foz, Ovar, até chegar ao Porto, de onde partiu em direcção a Viana do Castelo. Cruzou-se com vereadores, professores e muitos curiosos que se fascinam com o meio de transporte alternativo. O triciclo é um equipamento multifacetado. Além de pedalar para todo o lado, Martin Hutchinson pode transformá-lo numa tenda, para quando não encontra refúgio ou decide pernoitar ao ar livre. A isto juntam-se recortes dos jornais que já o entrevistaram — “para dar credibilidade aos mais cépticos” —, as bandeiras de Portugal e do Reino Unido, toda a roupa e acessórios essenciais para a viagem e o colete a sinalizar a passagem dos “exploradores ambientais do século XXI”.

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Desde o início da segunda parte da viagem, Martin Hutchinson já pedalou mais de nove mil quilómetros DR

34 mil quilómetros… a pé

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Os exploradores ambientais do século XXI querem consciencializar o mundo para os problemas ambientais DR

Mas vamos à primeira paragem desta caminhada (e sim, houve mesmo caminhada). Há onze anos, depois de ficar sem o iate, decidiu embarcar até ao México, para cumprir o desígnio de explorar a América Central e do Sul. É aqui que começa a primeira parte da sua tour mundial em nome do ambiente. “A nossa existência no planeta depende da nossa atitude”, defende. A ideia inicial era atravessar os vários países do continente americano à boleia, mas acabou por andar 22 quilómetros sem ninguém abrandar o carro. Aí mudou de ideias, muito à custa das histórias que ia ouvindo pelo percurso, e decidiu fazer uma caminhada de 34 mil quilómetros, entre México, Costa Rica, Peru, Argentina e muitos mais países que marcaram a travessia contra a pegada ecológica deixada pelos humanos na Terra.

Os quilómetros nas pernas são sinónimo de nove anos a ver muito lixo despejado pelas ruas, rios e florestas por onde passava. Tudo está gravado. A sua melhor amiga — na altura ainda não havia Starsky — era a câmara de filmar, que gravou os mais de seis mil vídeos que preenchem o seu canal de YouTube. O "trabalho" do galês, que foi carpinteiro noutra vida, dividia-se entre caminhadas, vídeos sobre os depósitos de lixo que encontrava, palestras em escolas e encontros com governadores e organizações.

Os nove anos de viagem deixaram muitas histórias para contar que dariam um livro bem recheado. Hutchinson recorda várias, mas há uma mais assustadora que as outras. “Eu percebi que o meu tempo na América Latina tinha chegado ao fim, especialmente na Argentina, [pois] eles queriam-me matar”, conta, com toda a naturalidade. “Filmei uma parte rica, onde existem várias empresas petrolíferas, e onde eram despejadas pilhas de lixo. Coloquei no YouTube, [o vídeo] chegou aos jornais e à televisão”, relembra. Mas o ambientalista só percebeu a dimensão do problema mais tarde. “Estava a dar uma palestra numa escola e vieram ter comigo a dizer que havia gente que me queria matar, que tinha de sair. Levaram-me de noite para sair da cidade.” A primeira parte desta volta ao mundo estava a terminar.

“Dar uma vida melhor" às crianças

Quando chegou da viagem pela América Central e do Sul esteve 22 dias fora destas aventuras. Até que a 31 de Maio de 2016, data do seu 55.º aniversário, pegou no seu brinquedo novo – o triciclo que o está a levar pela Europa – e saiu de Manchester. Os aniversários, Natal ou Páscoa já tinham desaparecido do calendário dez anos antes, quando chegou ao continente americano. “Todos os dias andava, todos os dias. Aniversários, Natal, todos os dias. No meu 50.º aniversário visitei dez escolas”, conta. E, cinco anos depois, arrumou o essencial para prosseguir uma nova travessia.

E assim começa a segunda parte (e previsivelmente, última) desta volta ao mundo. Desceu o Reino Unido, atravessou a França e, antes de chegar a Portugal, recolheu histórias no sul de Espanha em pleno Natal. “Estava em Málaga e fui à praia mais próxima. Estava lá um monte de papel higiénico usado, muito lixo ao longo da praia. E havia pessoas lá sentadas, ao lado. Mas as pessoas não querem saber. Desde que tenham o pequeno espaço que ocupam limpo, não olham à volta”, relembra, indignado.

As preocupações de Martin Hutchinson com o ambiente não são exclusivas do plástico, dos oceanos ou das beatas de cigarros que fez questão de filmar em pleno Porto. “Basicamente, é um combate. Contra a raça humana. E não estou a ganhar.” A analogia do galês mostra o descrédito que se tem avolumado desde que começou esta viagem pelo ambiente. “Todos os meus vídeos querem provar um argumento. Nós temos o dever de não deixar os problemas para as crianças, mas sim de lhes dar uma vida melhor”. Sente os vídeos como a sua maior arma. Prime o gatilho da câmara e mostra as 115 garrafas que apanhou à porta de uma escola, as 431 que resgatou da berma de uma estrada nacional ou até as paisagens de praia onde o lixo marca pontos. E tudo isto apenas em Portugal.

Não tem dúvidas que a seca, os incêndios, as alterações climáticas e o desperdício estão relacionados. “Não há água para as oliveiras, para as videiras, e este é todo um ecossistema que se destrói por ignorarmos tudo o que se alterou", diz, alertando ainda para a temperatura exterior. "Estou sentado, no final de Outubro, no Porto e estão 26 ou 27 graus. Era suposto estar a chover, estar frio. Isto devia ser um alerta!”. Admite que a paciência já não é a mesma depois de tanto lixo que lhe passou pelos olhos, mas não perde a esperança – “Ou não fazia esta viagem”, diz.

A frustração combina-se com a vontade de consciencializar a população, que sabe dos problemas mas não actua sobre eles. É por isso que desde a primeira tour mundial dá conferências, onde, diz, nunca se esquece de lembrar uma coisa: “O planeta é o nosso melhor amigo. Nós tratamos dele e ele trata de nós”.

Um ambientalista e um cão ecológico

Durante onze anos, regressou ao País de Gales apenas 22 dias. Para trás ficaram a família e muitos amigos. Um sacrifício para que outros possam fazer “os seus pequenos sacrifícios de deitar o lixo no contentor ou não poluir os oceanos”. Há um mês, ecebeu uma visita na Nazaré. A sobrinha, Joeana, está a fazer uma viagem de barco e decidiu atracar em Portugal para o visitar. “Não via a minha sobrinha desde os sete anos. Não sabia bem o que lhe oferecer, portanto fiz um vídeo em que limpei 140 garrafas de plástico espalhadas pelo porto”, conta.

Não se arrepende de nada. Aliás, o único erro que poderia ter cometido foi bem mais a sul do país, em Aljezur. No meio de alguns problemas físicos, ficou em casa de uns amigos alemães durante um tempo. Um deles, veterinário, sugeriu-lhe ir dar uma volta com os cães que estão no canil.

É nesta parte da história que se forma a famosa dupla. Esperou que o canil abrisse e andou uma hora e meia pela cidade com o novo companheiro ao lado: “Eu não estava certo de o trazer, por causa da viagem e dos problemas que podia haver. Mas tratei dos papéis todos, das vacinas que eram precisas e trouxe-o comigo.”

Agora, empreendem os dois esta caminhada pelo ambiente. Starsky nem liga muito à conversa, deitado ao sol enquanto vai ganhando umas festas na cabeça das pessoas que passam. Na primeira vez que se fala do cão, Martin é imperativo: “Foi ele que me adoptou”. Não tem problemas, caminha lado a lado com o novo companheiro e já obedece às ordens que Martin vai dando num português arranhado, mas que Starsky percebe perfeitamente.

“As pessoas dos supermercados têm sido muito simpáticas. Eu só peço comida para o Starsky e a maioria tem sido muito atenciosa”, refere o ambientalista. Pelo meio da conversa há tempo para uma novidade: Starsky ladra. “É a primeira vez que faz isto!”. E, para Martin, é simples: “Está a aprender a ser um cão, agora”.

Nas descidas, Starsky vai ao colo de Hutch. Agora, na Rua da Constituição, no Porto, limita-se a ir no passeio, a acompanhar a pedalada do galês que se dirige para Viana do Castelo. O percurso é longo e até à Austrália ainda se perspectivam nove ou dez anos de viagem. Agora são uma verdadeira dupla ambientalista: “Tenho um cão ecológico que até apanha garrafas de plástico”, ri-se Martin.

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