O mês da morte de 2017

Tinha uma vida inteira pela frente. Partiu cedo demais. Paz à sua alma. O corpo, porém, continua por cá, vegetando pelos corredores dos dias

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Bruno Luz/Unsplash

É a alma que interessa nisto da vida, nada mais, e é por isso que se declara, em pleno mês de Outubro, o fim de 2017, malogrado ano comum do calendário gregoriano.

2017 morreu porque Portugal viajou no tempo. E tempo é coisa que nos falta.

No Porto, mais especificamente no Tribunal da Relação, houve um regresso ao ano de 1886. Foi no Código Penal desse ano que os juízes se basearam para justificar a violência doméstica de que uma mulher foi alvo, após ter traído o marido. Houve um outro regresso, no mesmo acórdão, aos tempos idos descritos no Antigo Testamento. Sim, a Bíblia também foi consultada para tomar uma decisão jurídica. Morreu 2017 e morrem dezenas de mulheres às mãos (fechadas) da violência doméstica, todos os anos em Portugal.

Em Leiria, Portugal regressou ao século XII, quando ainda não havia Pinhal do Rei. Culpem-se os incendiários, o governo, o SIRESP e os eucaliptos. Morreu 2017 e morreram 700 anos de fauna, flora e História.

Em Lisboa, a viagem temporal não foi ao passado, mas sim ao futuro, um não muito longínquo (nem melhor), 2050, por aí, onde as máquinas ocupam os lugares dos seres humanos fazendo, entre outras coisas, discursos desprovidos de humanidade e empatia. A máquina chama-se António Costa e, nas suas palavras/códigos binários sobre a tragédia das chamas, demonstrou a sensibilidade de um sistema operativo. Morreu 2017 e morreu gente que não foi protegida pelo Estado. Viagem ao futuro ou ao passado?

O cortejo fúnebre do corpo fará o seu percurso até ao dia 31 de Dezembro, voltando a sofrer, com toda a certeza, alguns desvios temporais. A alma, essa, morreu este mês. Enquanto isso, nós aguardamos, sem alma e com expectativa, que ano nos trará o dia 1 de Janeiro. E cá vamos vivendo, sem tempo.

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