Joana ganhou uma bolsa para estudar a reacção do cérebro à dor

Investigadora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto destacou-se com um projecto sobre o papel que o cérebro desempenha na dor crónica e venceu a Bolsa Grünenthal Jovens Investigadores em Dor 2017

Joana está em constante contacto com os colegas de Chicago, que também participam na investigação Sara Lopes
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Joana está em constante contacto com os colegas de Chicago, que também participam na investigação Sara Lopes
Sara Lopes
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Sara Lopes

É dia de aulas na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e as vozes dos muitos estudantes ecoam pelas artérias do primeiro piso do edifício. O P3 acompanha Joana Barroso, que tem passado muitas vezes por estes corredores nos últimos anos enquanto investigadora em Neurociências no departamento de Biologia Experimental da FMUP. Entramos no elevador com a portuense de 29 anos e, quando saímos, damos de caras com um P4 estampado na parede. Uma sala forrada de livros com “neurociência” escrito na lombada, no quarto piso do edifício, parece ser um sítio indicado para conversar — afinal, a decoração ajusta-se ao tema de conversa. É que o dia-a-dia de Joana anda muito à volta do cérebro e foi precisamente uma investigação sobre o seu papel na dor crónica que lhe valeu a Bolsa Grünenthal Jovens Investigadores em Dor 2017, atribuída a investigadores com menos de 35 anos, no valor de 10.000 euros.

A dor — qualquer que seja — "envolve o sistema nervoso central”, mas no caso da dor crónica parece não ter que haver um estímulo para que ela exista. Ao contrário do que acontece com a dor aguda, o nosso sistema nervoso central pode ser auto-suficiente a gerar a crónica. Joana clarifica a diferença com um exemplo. “Se dermos um estímulo doloroso a duas pessoas diferentes durante alguns anos, todos os dias essas pessoas vão ter dor. Um dia paramos. Uma recupera e deixa de ter dor. A outra, mesmo não tendo o estímulo, desenvolveu dor, a dor crónica.” Mas por que razão isto acontece? E que papel desempenha o cérebro nessa equação?

A investigação que Joana está actualmente a desenvolver conta com a orientação de Vasco Galhardo, com quem trabalha desde que entrou no programa doutoral em Neurociências, e com o laboratório de Vania Apkarian, que há mais de duas décadas estuda a dor e é um dos centros de referência na área, na Feinberg School of Medicine em Chicago, nos Estados Unidos. Ao lote junta-se ainda o SMIC Boavista (Casa de Saúde da Boavista, no Porto). Um dos principais objectivos da investigação passa por melhorar os diagnósticos e o tratamento da dor crónica.

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Aos 29 anos, Joana trabalha num projecto que visa melhorar os diagnósticos e o tratamento da dor crónica Sara Lopes

“Queríamos perceber o que acontece se tivermos alguém com dor durante muito tempo e conseguirmos tirar completamente a dor. O que acontece ao cérebro? E, sobretudo, se podemos prever, com base nas características do sistema nervoso central, que pessoas mantêm dor”, enumera. Clinicamente, tratar a dor crónica é bastante complicado e esse foi um dos problemas encontrados pela investigadora. A escolha teria que recair num grupo de doentes com sucesso no tratamento da dor que os acompanha ao longo do tempo. Decidiu, por isso, estudar pacientes diagnosticados com osteoartrose do joelho

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“O que acontece se tivermos alguém com dor durante muito tempo e conseguirmos tirar completamente a dor? Sara Lopes

Neste caso, a dor começa por ser ligeira mas agrava-se até ao ponto em que a solução terapêutica passa por colocar uma prótese. Depois disso, os doentes ficam — pelo menos em 70% dos casos — sem dor. No entanto, alguns, mesmo depois da colocação da prótese, continuam com dor sem que haja um motivo óbvio do ponto de vista clínico. “O que nós achamos é que estes doentes já tinham à partida uma sensibilização do sistema nervoso central”, explica. Ou seja, podem ser características cerebrais prévias que determinam quem tem mais predisposição para desenvolver dor crónica.

“Queria ver as estrelas, agora vejo neurónios”

O tema já é familiar por de mais e, por isso, de vez em quando, Joana pede desculpa por estar a falar sobre muita coisa, muito rapidamente. A paixão pela área da saúde começou cedo, mas não foi a primeira. “Quando era mais nova não queria ser médica, queria ser astrofísica, mas como os meus pais são médicos e era boa aluna, acabei por seguir o caminho da medicina”, confessa. “Queria ver as estrelas, agora vejo neurónios."

Para já, o percurso na área da saúde tem sido produtivo. Esta não foi primeira bolsa que Joana Barroso ganhou. Em 2016 venceu a bolsa da Associação Portuguesa para o Estudo da Dor (APED), que lhe valeu um estágio no departamento de Fisiologia da Universidade Northwestern de Chicago. Algo bastante importante para a aluna de doutoramento em Neurociências, já que desenvolveu conhecimentos importantes na área da "análise de dados de neuro-imagem" para levar a investigação que está a fazer até a bom porto. 

A portuense estudou Medicina em Coimbra e só voltou ao Porto em 2013 para fazer o ano comum a poucos metros de onde agora trabalha, no Hospital de São João. O ambiente onde passa os dias é, em larga medida, distinto do de um hospital.  Ainda tem um ano e meio de especialidade para fazer, mas será por aqui que vai continuar nos próximos anos. Até porque, sublinha, por estes corredores “respira-se ciência”. “Para alguém que faz investigação, isso é muito produtivo.” 

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