Treinar um gato? Sim, para ser mais feliz

Não querem pôr os gatos a ser artistas de circo, apenas ajudá-los a lidar melhor com o dia-a-dia. Aceitar estranhos, idas ao veterinário, animais novos em casa e até a chegada de uma criança podem não ser verdadeiras dores de cabeça. John Bradshaw e Sarah Ellis explicam como no livro "Treine o seu gato"

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Westfale/ Pixabay

Toda a gente acha normal que se treine um cão, mas uma impossibilidade que se faça algo semelhante com um gato. E esse é possivelmente o primeiro mito que John Bradshaw e Sarah Ellis querem fazer cair com a publicação do livro Treine o seu gato (Bertrand). O segundo é que fazê-lo não traz nada de bom ao animal. “Precisamos realmente de dar aos gatos a oportunidade de serem animais de estimação felizes. E isso pode ser feito através do treino”, defende Sarah em entrevista ao P3.

Vamos por partes. A ideia deste livro não é ensinar o gato a fazer truques de circo, a dar a patinha ou rebolar no chão. O objectivo é ajudá-lo a aceitar acções que nem sempre lhes agradam: entrar na transportadora para ir ao médico veterinário sem dramas, tomar um comprimido, ser escovado, aceitar os estranhos que visitam a casa (incluindo crianças), dar as boas-vindas a um novo felino (ou pelo menos não o atacar!). E até melhorar a relação com o dono.

Sarah Ellis é especialista em comportamento felino na International Cat Care, John Bradshaw dirige o instituto de Antrozoologia na Universidade de Bristol e é autor dos best-sellers internacionais Cat Sense e Dog Sense. Ambos têm gatos em casa — “todos treinados e felizes”.

A autora começou esta caminhada ainda menina. Apaixonada por gatos e feita gente no meio deles, habituou-se a educá-los — sem racionalizar muito sobre o assunto. Receber pessoas estranhas em casa ou ir ao veterinário: “Treinei os meus gatos a aceitarem esse tipo de coisas, mas acho que o fiz quase de forma subconsciente”, contou numa entrevista por email.

A dada altura, enquanto trabalhava com colegas especialistas em treino canino e lhes dava uma ajuda, foi-se apercebendo-se que enquanto para os donos de cães havia muita ajuda, para os de gatos isso nem sequer era pensado. O que, diz, era um contra-senso: é que os donos de felinos têm de lidar muitas vezes com um “stress diário” dos animais. Porque aconteceria isso?

“Treinar cães é definitivamente mais fácil do que treinar gatos em muitos aspectos, porque eles estão mais adaptados à linguagem corporal humana e até expressões faciais, aprendendo com muito mais facilidade aquilo que lhes dizemos”, explica Sarah Ellis. E ainda mais importante: os cães são “animais muito sociais e procuram a atenção humana”. E — extra! — a comida é um factor de motivação grande para eles.

Isto não significa que treinar um gato seja “um processo misterioso”. Os felinos “são animais que se adaptam com facilidade e que aprendem do mesmo modo que todos os mamíferos — incluindo cães”. Por onde começar, então, a treinar o bichano lá de casa? Sarah Ellis sugere um exercício de observação e compreensão. “É fundamental aprender que os comportamentos que são compensados com gratificações positivas são mais prováveis de repetir do que aqueles que acabam com algo negativo.” Por outras palavras: “Compreender o efeito dos resultados e saber o que é gratificante para os gatos é uma excelente forma de começar.”

Cada gato é um gato e por isso o livro fornece linhas orientadoras que cada um deve conseguir adaptar à personalidade do seu felino. Por exemplo, o uso de um clicker, aparelho muito usado para treino de vários animais que emite um som quando o animal faz o que se pretende e o premeia com alguma recompensa, pode não ser adequado a um gato muito tímido ou medroso: “Pode assustar o gato em vez de o incentivar”. Nestes casos, usar “uma palavra específica, com uma voz suave”, pode ser uma boa alternativa.

Exercícios: brincar à caça

John Bradshaw não defende que os gatos devam ser completamente domesticados e fechados em casa a sete chaves. Mas admite que a vida de alguns donos — e sobretudo o facto de viverem em apartamentos —, favorece esse caminho. Para manter o gato feliz entre quatro paredes é preciso “diversificar o ambiente em casa”, escreve no prefácio do livro, e dessa forma é possível “satisfazer a necessidade do gato de explorar e investigar”.

Sugestões: fazer jogos que simulem a caça, reduzindo esse desejo instintivo do animal, fazer brincadeiras que, mesmo não simulando a caça, melhorem a relação entre o gato e o dono. O livro tem explicações longas, é possível aprender as "nove técnicas-base que formam a base do treino de gatos" e ao longo das cerca de 350 páginas há vários exercícios práticos para fazer com o bichano lá em casa.

Adaptar o animal à vida em conjunto — seja com os donos, com bebés, com outros gatos ou outros animais — merece várias páginas da atenção dos autores. Dica para futuros pais preocupados com a aceitação do gato à chegada do bebé: “Antes do nascimento, comece a experimentar alguns dos cremes do bebé e outros produtos na sua pele, de modo a permitir que o gato se habitue a eles”, sugerem. Impossível de recriar é o cheiro do próprio bebé, mas para quem tem amigos com bebés há possíveis soluções: “Será uma boa ideia pedir-lhes emprestada uma manta ou uma peça de roupa com que o bebé tenha estado em contacto e que possa servir para o gato cheirar, recompensando comportamento positivos ou indiferentes relativamente a essas peças.”

O que nunca pode acontecer, defendem, é um treino com punição. O treino de felinos “não é de obediência nem truques”, sublinha Sarah. “Trata-se de ajudar os gatos a viverem felizes com os seus donos e a lidarem com a vida quotidiana com tranquilidade.”

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