Queremos mesmo discutir o Estado da Nação?

Como não há oposição, só percebemos que o Estado está manco com situações verdadeiramente anómalas, sejam elas incêndios ou assaltos

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Joshua Fuller/Unsplash

Comecemos pela Assembleia da República (AR), onde o Governo está nas suas sete quintas. Não há oposição, nem à esquerda, que aproveita a onda para lucrar vitórias para o seu eleitorado, nem à direita, que tem um argumentário que envergonharia um debate de escola primária. Fazem-se propostas legislativas como se jogassem cartas, sem haver debate nem consensos.

A economia, centro das atenções dos últimos anos, apresenta sinais positivos graças a um passado de medidas draconianas e um presente com ventos favoráveis do exterior. Alterações estruturais da economia, exceptuando a viragem da balança comercial (e que parece bem frágil), não houve. Se há um abanão no exterior, no espaço de alguns anos estamos novamente reféns daquilo que "Troikas" ou "Quadrilhas" quiserem.

O Estado continua obsoleto. A ausência de reformas (ou, em português técnico, modernizações administrativas), com a excepção de operações cosméticas aproveitando tecnologia chique, é uma realidade. Os quadros estão velhos e não há capacidade de renovação, uma vez que é impossível despedir alguém, por mais incompetente que seja; lixam-se os jovens, suposta "geração mais qualificada de sempre", mas eterna geração do recibo verde e da precariedade.

Como não há oposição, só percebemos que o Estado está manco com situações verdadeiramente anómalas, sejam elas incêndios ou assaltos. Muito maior do que os governos que, periodicamente, são renovados, o Estado contém uma quantidade infinita de lideranças, num efeito matrioska que, em tempos conturbados, gostam de se contradizer. Se há desculpa para não conseguir prever incêndios ou assaltos, não há desculpa para a resposta insuficiente que é dada aos acontecimentos.

A paisagem política, que aparentava ter sido alvo de revolução com a famosa solução governativa "Geringonça", continua a permitir as negociatas crónicas ao PS, que veio substituir as do PSD e PSD-júnior, também conhecido como CDS. A inclusão do BE e PCP, para quem esperava maior transparência (alguém?), não veio mudar muito. De bancos a sistemas de comunicação, passando por idas à bola, os episódios são mais do que muitos.

O mundo está a mudar: a segurança social está pelas costuras, a automação é uma realidade, a privacidade está em cacos, a UE parece, citando o ministro, "uma feira de gado", os EUA vivem um reality show, etc. etc. Debates de fundo, pensando o longo prazo, trazendo propostas novas ou recuperando antigas, nem vê-los.

Tirando tudo isso, parece estar tudo bem. Ouve-se o Governo e o Presidente da República falar como se todos os problemas estivessem resolvidos ou prestes a sê-lo, e a oposição… bem, essa já ninguém ouve, de tão presa que está a uma realidade desactualizada. É excelente que o país esteja a apresentar bons resultados, e a confiança num futuro melhor é igualmente essencial para haver força de mudança. Creio, contudo, que é preciso noção das muitas limitações que ainda temos, para que não nos permitamos hábitos que, no passado, destruíram quantidades epopeicas de potenciais sucessos.

A nação está melhor, mas o caminho é longo. O melhor seria preocuparmo-nos já; caso contrário, ainda deve aguentar mais um par de anos sem grandes esforços.

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