Lisboa é para todos

Não somos nós que contamos epopeias construídas por esse mundo fora? Pois que as comecemos também a fazer por cá, ainda quem sem naus nem navegadores mas com o epíteto de quem melhor sabe receber no mundo

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Miguel Manso

Os anos passaram e Lisboa passou a ter mais gente. Pessoas de todo o lado que contagiadas pelo sol, pela comida, pelo ambiente, pela história ou pela modernidade, pelas pessoas, por colinas, pelo que é único, pela luz ou pela invulgaridade de se reunir mar, rio e campo num mesmo espaço e até pelos preços; fizeram de Lisboa a cidade da moda.

Nada a apontar, conheço de perto razões suficientes que trazem pessoas e muitas vezes nem as levam, porque Lisboa pode naturalmente apaixonar e ser o início de vida para quem quer começar de novo e bem. Mas depois vêm os turistas; mas como não entender quem chega e colide de imediato com os sons, com aquele ambiente romântico dos miradouros e para lá deles, com as partículas de luz que cobrem os telhados, com a voz da Mariza ou a de todos nós, com o calor das pessoas e de um rio a confluir para o mar, com o moderno em contraste com o histórico, com o cultural e artistico? Lisboa vive-se em cada espaço recôndito virado para tanto.

Mas as rendas sobem, as pessoas fogem, os preços nem parecem à unidade porque de repente a unidade é ao preço de um pacote, o gin no copo é do preço da garrafa, a refeição ao preço de um quarto de hotel e o quarto de hotel custa numa noite o que antes seria em quatro.

As pessoas fogem da confusão e passam a viver em zonas limítrofes à cidade. Na baixa ou noutro tipo de lugares turísticos se encontrarmos um português que se batam palmas. Porque de repente e se fecharmos os olhos cruzamos Roma, Paris ou Berlim tudo em pequenos metros quadrados.

Contudo e apesar dos "apesares" sou a favor disto tudo, porque se antes não percebíamos porque optavam por Barcelona ou por outros locais e nunca por Lisboa, então e agora? Se descobriram que o sol certo se põe desde um miradouro virado para o Tejo; para que se contrariam ou nem se entendem as decisões tomadas pelo coração?

Trazem confusão sim, mas trazem dinheiro; e se desenvolvimento gera mais desenvolvimento, constroem também eles o ritmo de uma cidade a crescer.

Podem trocar o calmo pelo caótico mas até isso é poético se escutarmos aquela mistura de idiomas que nos faz estar em Montmatre ou Cinque Terre, ou até de frente para o muro de Berlim sem nunca sairmos de Lisboa; da envolvência de culturas, porque são as pessoas que trazem as culturas, da troca de ideais tão distintos, da variedade de costumes e de um multiculturalismo que só se consegue nas grandes cidades. Temo sempre que o bairrismo perca a identidade. Mas quem ousa tocar em Alfama e tomar-lhe algo que nunca pode ser tomado? A identidade é para a vida.

E o fado? que se escute e se leve por esse mundo fora ou que apenas se ouça mas se sinta.

Não somos nós que contamos epopeias construídas por esse mundo fora? Pois que as comecemos também a fazer por cá, ainda quem sem naus nem navegadores mas com o epíteto de quem melhor sabe receber no mundo.

Gosto de socializar e ver fazê-lo, acredito que os que vêm nos levam nas histórias de quem vai querer voltar e os que ficam abram o rosto de espanto por cada dia diferente mas surpreendente que Lisboa tem para lhes dar.

Há uns anos discutia-se a quebra do turismo, hoje discute-se o excesso. E que amanhã se perceba que Lisboa é tão transcendental que merece ser de todos.

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