ZenKlub: um psicólogo “low-cost” à distância de um ecrã

Dois portugueses idealizaram uma plataforma que liga psicólogos a quem procura acompanhamento e, depois do Brasil, chega a Portugal. Tudo online e a metade do preço das consultas convencionais. OMS estima que mais de 300 milhões de pessoas sofram de depressão — e os jovens são um dos elos mais fracos

Foto
Kaitlin Muro/Unsplash

Há um elefante “demasiado gigante” na sala — e não está apenas no cantinho, diz Rui Brandão. “Vivemos numa época em que os problemas de saúde mental começam a ser demasiado visíveis para serem ignorados”, acredita o médico português de 27 anos responsável pela criação de uma plataforma que põe em contacto psicólogos e pessoas que procuram acompanhamento. O ZenKlub nasceu no Brasil (onde Rui conheceu o sócio José Simões) e, depois de ano e meio de vida, chega agora a Portugal. As consultas de psicologia são realizadas online, através de videochamada, com preços que começam nos 25 euros por hora. Os millennials são o público-alvo deste consultório virtual.

“Somos uma plataforma de desenvolvimento de inteligência emocional”, define Rui, que abandonou a especialização em Cirurgia Vascular para se dedicar ao ZenKlub. O objectivo é claro: “desestigmatizar” os problemas de saúde mental e aproximar as soluções das pessoas, sem dependência de deslocações ou seguros. “Queremos que vejam isto como um ginásio para a mente.” Uma vivência mais pessoal, em família, foi o clique necessário para começar a esboçar este projecto, desenvolvido pelo engenheiro informático José Simões. “A saúde é muito voltada para a doença e isso, como cliente, é muito arcaico.”

No Brasil — onde os dois portugueses vivem há vários anos — são 100 os profissionais de saúde que colaboram com o ZenKlub. Apresentam-se em vídeos, escolhem áreas específicas de acção e apresentam currículos. Quem procura um psicólogo pode facilmente escolher aquele que lhe parece mais adequado e, em poucos minutos, fazer o registo e agendar uma consulta. O pagamento é feito previamente, também online, e na sala de consultas virtual é possível optar por chat, chamada áudio ou de vídeo. O conteúdo da sessão, garantem, é “100% encriptado”.

“A maioria dos nossos clientes nunca tinha feito terapia”, revela Rui, para quem este dado mostra que é possível chegar a um público “que não tem essa necessidade suprida”. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), “em países desenvolvidos com sistemas de saúde bem organizados” entre 44 e 70% dos pacientes com doenças mentais não recebem tratamento, valores que se aproximam dos 90% nas nações em desenvolvimento. Recentemente, a OMS divulgou um relatório no qual estima que mais de 300 milhões de pessoas sofram de depressão — o equivalente a 4,4% da população mundial — e outras tantas de algum tipo de perturbação de ansiedade. A questão financeira é fulcral, mas ser visto num consultório de psicologia ainda é razão para alguma resistência em iniciar um tratamento, acredita o jovem português formado na Universidade do Porto. Além de evitar a deslocação e o cumprimento de horários rígidos, o ZenKlub permite a consulta de um profissional de outra cidade ou, até, de outro país, característica que atrai emigrantes. “A nossa experiência no Brasil mostrou que a interface digital permite uma desinibição muito mais rápida do que presencialmente”, conclui, ainda que algum do “toque humano” se perca.

Luciana Taguti, terapeuta brasileira com 16 anos de experiência, interessou-se pela plataforma por ser “uma nova forma de vivenciar a psicologia”, conta ao P3 por e-mail. “Tanto terapeuta como paciente ganham com este formato” em termos de mobilidade — “e isso, na vida moderna, é um benefício e tanto”. A experiência de Luciana corrobora a ideia de Rui: “Muitos clientes sentem-se mais à vontade por estarem num ambiente conhecido e amigável, facilitando a quebra de barreiras e a conversa sobre o que os aflige”. E para quem apresenta “síndromes do pânico ou depressão” ou está hospitalizado com problemas de locomoção, aponta, a interface digital “cria maior inclusão e acesso à psicologia”. Em comparação com o atendimento presencial, Luciana nota uma maior presença de homens, “talvez pelo facto de não terem que dizer que vão ao psicólogo e, assim, evitar rótulos”.

A ideia desta psicóloga de 37 anos vai ao encontro do perfil do utilizador do ZenKlub, traçado por Rui: pessoas entre os 20 e os 35 anos (cá está a prevalência dos millennials), mais mulheres do que homens (60% - 40%, respectivamente), mas, ainda assim, “mais homens do que era esperado”. Esta geração, continua, “tem uma grande afinidade com a Internet”. Afinal, se usam o Messenger, o WhatsApp e o Tinder, “porque não encaixar a saúde na rotina da vida online?”. “Os millennials são duas vezes mais ansiosos do que os babyboomers e as gerações anteriores. Procuram uma missão de vida”, reflecte. De acordo com o mesmo relatório da OMS, divulgado no fim de Março último, o suicídio surge como a segunda principal causa de morte dos jovens entre os 15 e os 29 anos. E, nos Estados Unidos, um em cada cinco millennials sofria de depressão em 2015, avançou um estudo da BDA — Morneau Shepell.

“No consultório virtual, na impossibilidade de oferecer um lenço ou um abraço, é preciso reconhecer que, em determinados momentos, sou instigada a buscar novas formas de demonstrar acolhimento”, admite Lidiane Pontes. A psicóloga de 30 anos é outra das 100 profissionais que se juntou à equipa do ZenKlub, depois de ter tido conhecimento da plataforma através do Facebook. Nos últimos meses já atendeu pacientes que residem no Médio Oriente, nos Estados Unidos ou em Inglaterra que, “durante muito tempo, procuraram, sem êxito, ajuda psicoterapêutica de psicólogos do Brasil”. “Geralmente, as pessoas que me procuram têm uma rotina intensa de trabalho dentro ou fora de casa”, aponta Lidiane, psicóloga há sete anos.

As consultas online de psicologia não são uma novidade. Há profissionais que as utilizam para manter o tratamento com pacientes que mudam de cidade ou de país e clínicas que oferecem este serviço. O facto de a plataforma do ZenKlub ter sido criada de propósito para o efeito e dispensar a utilização de programas externos — como, por exemplo, o Skype — é o que a diferencia dos serviços já existentes, sublinha Rui. Para começar serão 20 os psicólogos portugueses, com cinco a 15 anos de experiência, aptos para “vários tipos de abordagens: terapia cognitivo-comportamental, hipnose, coaching e mindfullness”. O objectivo é chegar aos 100 psicólogos até ao final de 2017. Enquanto que uma consulta convencional ronda os 60 ou 70 euros, diz, no ZenKlub estes valores baixam, em média, para metade: “uma hora de terapia pode começar nos 25 euros”.

O P3 tentou ouvir a Ordem dos Psicólogos Portugueses, que prefere pronunciar-se apenas quando tiver mais conhecimentos sobre esta nova plataforma.

Sugerir correcção
Comentar