Vacinas: eu sei uma coisa que tu não sabes

A comunidade científica, do alto da sua torre de conhecimento, deixou-se ficar para trás. E precisa urgentemente de aprender a passar a sua mensagem. De uma forma simples, que todos percebam

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Drew Hays/Unsplash

Muitas vezes, quando alguém não nos consegue transmitir uma ideia de forma clara, ficamos com a sensação de que nos está a esconder alguma coisa. Seja pelo vocabulário rebuscado que usou e que não sabemos o que quer dizer, seja por omitir informação que lhe parece desnecessária.

Eu estava na 32.ª semana de gravidez quando o meu obstetra, que era uma besta, a meio de uma consulta de rotina me diz: "Temos de fazer uma ecocardiografia fetal". E eu, obviamente assustada, perguntei: "Porquê?". Ao que ele me respondeu, sem mais justificações (e acreditem que foram pedidas): "Porque desconfio que o bebé possa ter um problema cardíaco". Foram dias de uma angústia tremenda, com medo de uma coisa que eu nem sequer sabia bem o que era. Mas era imenso. O maior medo que alguém pode alguma vez sentir: o de perder um filho.

O médico que fez a ecocardiografia não era uma besta. Muito pelo contrário. Percebeu o nosso pânico no momento em que entrámos no consultório. E explicou-nos tudo: riscos, possibilidades, o que estava em causa. No fim, para nosso alívio, disse-nos que estava tudo bem com o bebé. Mas, para além do imenso alívio que senti, o que me ficou foi a clareza e a objectividade com que falou connosco. A forma simples como respondeu a todas as nossas questões, explicando os termos médicos quando não sabíamos o que queriam dizer. Sem paternalismos, nem arrogância. E isso deu-me a mim, e ao meu marido, segurança. Saber o que estava em causa deu-nos capacidade de escolha, chão. Um chão que poderia ter sido fundamental, caso o diagnóstico tivesse sido o pior. Felizmente não foi.

Lembro-me quando era criança que quando sabíamos um segredo gostávamos de arreliar os outros dizendo: "Sei uma coisa que tu não sabes". E os outros sentiam-se menos, postos de parte. Saber uma coisa que mais ninguém sabe é uma forma de poder. Uma forma de opressão. Porque se não sabemos também não podemos escolher. Não saber oprime-nos a liberdade de escolha.

Num momento que o tema da vacinação ferve nas redes sociais, e que se apontam e apedrejam culpados, penso que a comunidade científica também tem culpas no cartório. A comunicação, a divulgação científica, infelizmente não é feita para todos. É feita, muitas vezes, numa linguagem hermética só perceptível pelos seus pares. O comum dos mortais não percebe e sente-se menos, posto à margem. Como os miúdos do recreio. E, tal como todas as distorções, o medo também parece maior à margem. Por outro lado, os gurus da pseudociência sabem como falar ao coração das pessoas. Fazem-nos de uma forma simples, apelando a sentimentos básicos, como o medo, autopreservação e a raiva.

A comunidade científica, do alto da sua torre de conhecimento, deixou-se ficar para trás. E precisa urgentemente de aprender a passar a sua mensagem. De uma forma simples, que todos percebam. Explicar às pessoas o que significam os riscos de efeitos secundários. Explicar-lhes percentagens e uma coisa chamada probabilidade. Explicar que as vacinas só funcionam colectivamente e porquê. E, acima de tudo, explicar como funciona uma vacina, o que é um anticorpo, o que é imunidade. Para que os pais saibam o que realmente está em causa. E neste rescaldo da adolescente que morreu com sarampo, podemos ver que está demasiado em causa. Ninguém faz más escolhas intencionalmente. Fazemos a melhor escolha possível com os dados e conhecimento que temos na mão. Por isso só conseguimos escolher quando compreendemos. Porque quando não compreendemos só nos resta uma coisa: ter medo. E isso não é uma escolha. É uma crença.

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