Dia mundial do beijo

No beijo se adivinha o que a relação "será". Se o beijo se dá e não espera, a relação será sobretudo unidireccional. Se o beijo se dá sempre fugindo, a relação é uma farsa

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Sweet Ice Cream Photography/Unsplash

13 de Abril, dia mundial do beijo, deveria ser também o dia da "beijologia", que o beijo implica ciência, para além de arte e circunstância, o acto de beijar é mais íntimo que o sexo, nele se profetiza o resto das nossas vidas.

Limitemo-nos ao beijo em que os lábios se transtornam. Há aqueles em que os lábios se colam, perdendo-se o "eu" em esperança numa outra "era". Há aqueles em que os lábios se tolhem, ganhando o desejo, o próprio ego. Sempre preferi beijar uns lábios cavernosos, rugosos, lábios que me lembrassem de existir, que acordassem certos sentidos há muito inumados. Acontece que sou egoísta, e, por isso, recuso-me a beijar lábios pintados ou com cieiro, alisados de algum modo, baldando a crispação da minha ânsia. Acreditem, os lábios querem-se em luta, quando estão muito hidratados, perdem-se os amantes em letargo, e isso não pede nada senão o retorno à vida.

Olhem, um beijo é para demorar a ser dado, e quando vivido, é para tragar a seiva do outro. Dá na medida em que queres receber. O tempo é inestimável. Demasiada impaciência destrói a ilusão de uma força, o próprio desejo. Quem beija constantemente, sofregamente, acusa a fome de existir, e, aí, está perdido o mistério, a alucinação de um poder. O perigo de um beijo ávido é o mesmo do que se vive quando se adoçam os lábios: estes podem colar-se, para não mais se destacarem. Ora, o amor requer dois corpos. Sim, haverá um momento em que a alma embaraçará os corpos numa coisa "una", mas aí já não haverá amante e amado, nesse intempo em que o beijo se beija na perpetuidade. Se há beijo, há sonho, futuro andrajoso em que as peles se cosem e descosem desventuradas.

No beijo se adivinha o que a relação "será". Se o beijo se dá e não espera, a relação será sobretudo unidireccional. Se o beijo se dá sempre fugindo, a relação é uma farsa. Mais vero seria o beijo dos amigos que se cobiçam, sem poderem assumir o amor. Um beijo que cheira, prolongando o sacrifício, corrompendo o tempo em que não praticam a arte do encontro. É diferente do beijo dos "ex-namorados" que se tornaram amigos: este dá-se na cabeça, com esta encostada ao nosso peito, caso o legítimo amante esteja a uma distância segura.

Lembrai-vos sempre de desconfiar dos beijos esquivos, dos que se dão escusando a seiva, dos que cumprem obrigações, dos que se renderam à indiferença. Nos amigos, o beijo singular, sem o segundo, valendo o dado por dois, promete sempre mais. O beijo é uma declaração inteira, não deixes que o resto do corpo negue a primitiva afirmação.

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