“Nós, as mulheres portuguesas, também fazemos coisas importantes na tecnologia”

Estão em minoria e têm mais dificuldade em evoluir na carreira. Mas, no mundo tech, ainda liderado por homens, elas também têm uma palavra a dizer: plataforma Portuguese Women in Tech quer ser uma espécie de Behance para mulheres da indústria tecnológica

Foto
Nelson Garrido

O assunto andava a moê-la por dentro há algum tempo. Liliana Castro tinha mergulhado no mundo das start-ups e do empreendedorismo e detectado a balança desequilibrada quando as contas se faziam em relação ao género: “Havia poucas mulheres e as poucas que existiam tinham poucas oportunidades.” Quando começou a divulgar-se a programação da Web Summit, em Lisboa, a fundadora e directora criativa da FES Agency decidiu que havia de “fazer alguma coisa para fazer cair a diferença [de representação entre mulheres e homens no evento]”. Conversa aqui, contacto acolá, foi desenhando a ideia de um projecto que viu a luz do dia neste mês. Chama-se Portuguese Women in Tech e quer ser “uma espécie de Behance” para mulheres que trabalham na tecnologia ou em áreas relacionadas.

A plataforma arrancou com dez perfis, já conta com 12, e quer continuar a crescer. É um retrato delas, porque é preciso sublinhar a vermelho que, apesar de serem ainda poucas, “fazem a diferença”. “Nós, as mulheres portuguesas, também fazemos coisas importantes na tecnologia”, diz Liliana em jeito de slogan. A selecção das representantes iniciais — as chamadas embaixadoras —, foi sendo feita pela fundadora do projecto, que conta com a FES Agency, a Marzee Labs e o espaço de coworking Porto i/o como patrocinadores. Mas qualquer pessoa pode inscrever-se, respondendo a um inquérito onde fala do seu trabalho nesta indústria, revela um pouco do seu dia-a-dia de trabalho, dá alguns conselhos profissionais e até algumas dicas de apps, software ou ferramentas úteis. É como criar um perfil numa rede social. Basta ser mulher, portuguesa, e ter um link com tecnologia: ser "fundadora de uma start-up, programadora, jornalistas, exploradoras".

Portugal está quase no pódio. Dos mal colocadas. É, a par da Itália, o quarto país da União Europeia que emprega menos mulheres no sector das tecnologias de informação e comunicação, as chamadas TIC. Os dados foram revelados pelo Eurostat no início de 2016 e mostram um desequilíbrio gritante: 86% do sector é composto por homens. Mais recentemente, o Linkedin fez também um estudo em dez países e concluiu que a presença de mulheres em empresas de tecnologia é de 30,4%. E mais: quando se fala de cargos de liderança, a participação feminina baixa para os 20,6%.

Foto
Plataforma arrancou com dez perfis, já conta com 12, e quer continuar a crescer Nelson Garrido

Liliana Castro não está a par dos números. Não precisa: “A olho nu é automático ter esta compreensão”, lamenta. Apesar do cenário, a portuense de 27 anos não se entrega a palavras como discriminação ou preconceito. “Não acho que as mulheres sejam desconsideradas, mas é óbvio que o número é baixo.” A Portuguese Women in Tech nasceu para ser uma montra do que de melhor se faz em Portugal, sem “pretensões comerciais”. Mas, diz Liliana em conversa telefónica com o P3, “isso não significa que dali não surjam contactos profissionais”.

Foto
Inês Santos Silva é uma das embaixadoras do Portuguese Women in Tech DR

Sinergias e rede vão, com toda a certeza, aparecer. Liliana levanta o véu: “Queremos fazer meetups em várias cidades para discutir ideias. Juntar estas mulheres, perceber como podemos fazer coisas em conjunto, criar eventos.”

Faltam role models

Inês Santos Silva anda nesta batalha há algum tempo. Foi a primeira oradora da Portugal Girl Geek Dinners, está sempre de olho nas iniciativas que vão surgindo, como as Chicas Poderosas. “Conscientemente”, diz nunca se ter sentido discriminada. Mas não tem dúvida sobre o desequilíbrio. E as dificuldades acrescidas à conta dele: “O facto de não termos muitas mulheres role models na área da tecnologia faz com que os percursos sejam mais complicados”, diz a gestora da Aliados Consulting. Basta pensar no seu percurso para o provar. Inês era a menina apaixonada por Playstation e Game Boy, a responsável por arranjar as televisões e montar os sistemas de som lá de casa. “Sempre gostei. Só não lhe chamava tecnologia.”

Por não saber identificá-lo, quando chegou a hora de escolher um curso superior, Inês foi para uma área da qual conhecia o chão. “Olhando para trás, não estou arrependida, mas admito que se conhecesse duas ou três mulheres que tivessem tirado engenharia informática talvez tivesse tirado isso em vez de gestão”, contou.

Sempre que é convidada para ir a uma escola, Inês procura abrir caminho, “mostrar às raparigas que podem ser o que quiserem”. E também que “a nível institucional é possível fazer mais”. Como? “As quotas podem ser uma forma”, responde, mas mais importante do que isso será “, no próprio ensino, incentivar as crianças e adolescentes para estas áreas”. Quebrar preconceitos como as meninas vão para humanidades e os meninos para exactas.

Palavra a Nuno Veloso, representante da Porto i/o e do Marzee Labs: “Quando entrei na faculdade, éramos 120 ou 140, contava as meninas pelos dedos de uma mão. Cinco anos mais tarde já era um pouco diferente. Agora mais.” E, sublinha, "em algumas áreas tecnológicas, como a aplicada à Biologia, elas já estão em vantagem". Na Marzze Labs, há cinco sócios fundadores. Todos homens. Mas Nuno Veloso garante que as mulheres são bem-vindas. “Na nossa equipa de freelancers temos mulheres”. Para Liliana, o importante é ir desbravando caminho. “Foi instituído, desde muito cedo, que os homens fazem coisas e as mulheres ficam na sombra”, começa por dizer para logo depois rematar com uma versão mais positiva: “Isso está a mudar, ainda que muito lentamente.”

Sugerir correcção
Comentar