Carta de um português para o presidente do Eurogrupo

És parte do rosto desta Europa que se diz anti-xenófoba, tolerante e defensora da liberdade, mas que promove indirectamente a ascensão do populismo, do nacionalismo e da intolerância

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Yves Herman/Reuters

Caro Dr. Dijsselbloem,

Confesso que adoro copos e mulheres, sou um pecador incurável. Ainda ontem tive um jantar de aniversário no qual passei um bom bocado a desfrutar de um vinho na companhia, maioritariamente, de mulheres. Poucas coisas me dão mais prazer do que um bom vinho e mulheres, devo dizer. Mas nunca esperei que um holandês se indignasse com os meus hábitos de consumo. Como bom holandês que, decerto, o doutor será, não espero menos do que uma escapadela da sua parte nos intervalos das reuniões do Eurogrupo para fumar uma boa ganzinha à moda da Holanda. Poupemo-nos, por isso, às formalidades. Espero que não se chateie, mas daqui em diante irei tratá-lo por Tu. Afinal, somos ambos pecadores da pior espécie.

Provavelmente entendi mal as tuas palavras (se calhar deste a entrevista numa das escapadelas que referi). Parece que afinal o teu problema não se prende com o facto de gastarmos dinheiro em copos e mulheres, mas sim com o facto de o fazermos com dinheiro que pedimos emprestado. Desculpa-me Dijsselbloem, mas enquanto presidente do Eurogrupo deverias saber que se há algo em que os portugueses são profissionais é na arte do sofrimento e, para esse peditório, já demos o suficiente para nem sequer ter a necessidade de me defender perante este tipo de acusações da tua parte. O que tu dizes é perigoso. Falas em solidariedade por parte dos “povos do Norte”, mas não hesitas em acusar os “povos do Sul”, revelando um profundo desconhecimento dos conceitos de solidariedade e união económica. Por isso, sabemos bem a intenção das tuas declarações e da tua suposta “solidariedade”. Aliás, nem te deste ao trabalho de pedir desculpa quando te pudeste redimir (talvez o efeito da ganza ainda estivesse presente).

Infelizmente, és parte do rosto desta Europa que se diz anti-xenófoba, tolerante e defensora da liberdade, mas que ao mesmo tempo promove indirectamente a ascensão do populismo, do nacionalismo e da intolerância. Ainda não aprendeste que, com este discurso, só alimentas ódios? Não percebes o efeito das tuas palavras? Tenho a certeza que percebes. Tal como tenho a certeza que disseste precisamente o que querias dizer e, por isso, te recusas a tratar os cidadãos da Europa como Povo Europeu, preferindo fazer esta distinção de supremacia do Norte sobre o Sul. Chama-me complexado e preguiçoso as vezes que quiseres que jamais aceitarei tal rótulo. Chegou-me ter um primeiro-ministro a pedir para não ser piegas, os teus discursos moralmente superiores são, para além de dispensáveis, vergonhosos para qualquer pessoa que defenda os valores que estão (ou estavam) implícitos na União Europeia (UE). Em resposta só me resta chamar-te cobarde. Refugias-te na burocracia da UE para teres o poder e o status quo que pretendes, mas no fundo és só mais um igual àqueles que, institucionalmente, tanto criticas. Fico desiludido quando olho à minha volta e vejo que aquilo que sobra na União Europeia é escolha entre a hipocrisia ou a demência de nacionalistas.

No entanto, estás sempre a tempo de me provar que estou errado. Revê o teu discurso, defende a Europa perante as tentativas de diferenciar quem cumpre e quem não cumpre as regras em função do seu tamanho, defende a Europa perante o crescimento das forças anti-europeístas e totalitárias. Enquanto presidente do Eurogrupo, redime-te das tuas palavras e defende-nos a todos ou, obviamente, DEMITE-TE.

Espero que não leves a mal a agressividade das minhas palavras, ainda estou embriagado com a noite de ontem. Aproveito para te convidar para um fim-de-semana aqui em Lisboa. Serás sempre bem-vindo na terra do pecado, mas com a erva holandesa no bolso, por favor. Um abraço de um cidadão do Sul!

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