Madeira sob pressão para rever limites de vento no aeroporto

Níveis de segurança no aeroporto da Madeira datam de 1964 e estão, segundo o governo madeirense, a prejudicar a economia da ilha. O Funchal quer por isso alterar a forma como os limites de vento são aplicados.

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HOMEM DE GOUVEIA

O problema não é novo. Em 2000, com a tinta ainda fresca na obra de ampliação do Aeroporto da Madeira, que prolongou a pista em 981 metros (de 1.800 para 2.781 metros), Alberto João Jardim falava em “sabotagem política”.

Em causa estavam os limites de vento impostos pelo Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC, agora Autoridade Nacional de Aviação Civil – ANAC) que durante quatro dias afectaram as operações aeroportuárias. Voos cancelados ou desviados. Passageiros exasperados. Não tinha passado um mês sobre a abertura da nova pista e os condicionamentos mantinham-se.

Quase duas décadas depois, Miguel Albuquerque não estica tanto o discurso, para falar dos recentes constrangimentos que condicionaram o Aeroporto Internacional da Madeira – Cristiano Ronaldo, mas sempre adianta que mesmo sendo “uma questão técnica”, o problema “exige soluções políticas”.

E o problema, embora os técnicos digam que é cíclico, tem ganho uma dimensão preocupante, muitas vezes amplificada pelos vídeos de aterragens abortadas que circulam nas redes sociais ou pelas imagens partilhadas de passageiros aglomerados no aeroporto. Em Agosto do ano passado, durante três dias o vento não deu tréguas no principal aeroporto do arquipélago. Resultado: 22 mil passageiros afectados.

Este ano, começou pior. O JM-Madeira fez as contas e encontrou 496 voos afectados pelos limites de vento impostos àquela infra-estrutura. Um número que representa cerca de 70% do total de condicionamentos registados em 2017. E o ano ainda não vai a meio. Muito para uma região que assenta a economia no turismo e que tem no aeroporto a principal porta de entrada.

Pedro Calado, o vice-presidente do governo madeirense, não esconde as preocupações. “Temos que ter presentes que neste momento a economia da Madeira está a ser fortemente prejudicada por causa destas limitações”, alertou o governante, que tutela a pasta da Economia.

É por isso que a Madeira não compreende a razão por que os limites de vento do aeroporto, fixados em 1964, têm carácter obrigatório, em vez de recomendado como acontece nos restantes aeroportos nacionais e internacionais. Limites, argumenta o Funchal, que foram instituídos numa altura em que a pista do aeroporto era mais pequena (o tamanho original era de 1600 metros) e que não têm em consideração os sucessivos avanços tecnológicos quer dos aviões, quer dos instrumentos meteorológicos.

Foi por isso, que no final da semana passada, o vice-presidente do governo madeirense, Pedro Calado, veio a Lisboa à procura de respostas. Calado reuniu-se com a ANAC, ANA-Aeroportos de Portugal, Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). A reunião foi inconclusiva. Antes de ouvir falar em rever os limites de vento ou alterar a forma como eles são aplicados, a ANAC quer aguardar pela conclusão dos estudos que estão a ser desenvolvidos.

“O que se está a passar no Aeroporto da Madeira é insólito, é o único aeroporto no mundo que tem limites mandatórios. Isto significa que mesmo quando os comandantes sentem quem têm condições de segurança para aterrar, se os limites de vento estiverem acima do estipulado, não poderão fazê-lo sob pena de a ANAC suspender a sua licença de voo”, disse Pedro Calado aos jornalistas, acrescentando que a ANA está em “sintonia” com o executivo madeirense.

Tanto Calado como Albuquerque sublinham que a “revisão dos limites” tem de obedecer sempre aos “princípios de segurança” e que esta não “não pode ser descurada”, o que não invalida que a manutenção de limites com mais de 50 anos não cause “estranheza”, principalmente quando está a ter impactos negativos na economia da ilha.

“Pusemos alguma pressão política junto destas entidades, porque não podemos eternizar no tempo uma conclusão”, admite o número dois do governo madeirense, que pediu a “máxima urgência” nas conclusões.

O executivo madeirense, comunicou Pedro Calado à ANAC, está disponível para adquirir equipamentos mais avançados para a recolha de informação e medição das condições de vento. Exemplo disso é o sistema LIDAR - Light Detection And Ranging, que é utilizado no aeroporto de Hong Kong, que tem características orográficas semelhantes ao da Madeira.

“Neste momento, e mesmo com a aquisição desses equipamentos, a ANAC considera que, nesta primeira fase, ainda não estaria preparada para levantar o nível de segurança que é exigido no Aeroporto da Madeira, porque há informações e conclusões contraditórias sobre os tempos de medição dos ventos e sobre a forma como estes são recolhidos”, explicou Pedro Calado.

Para a ANAC, a questão do aeroporto madeirense não está relacionada com o tamanho da pista ou com os avanços aeronáuticos, mas sim com a orografia que envolve a infra-estrutura aeroportuária que provoca turbulência nas cabeceiras da pista. Já em 2000, quando Jardim falou da tal “sabotagem política”, o presidente do INAC na altura, Luís Lopes, esclareceu: “Porque a pista foi ampliada, muita gente convenceu-se de que não haveria limitações, mas não é verdade”.

A questão não é por isso consensual. A ANAC tem vindo a dizer que mesmo revistos para cima, os limites devem continuar a ser mandatórios. A Associação de Pilotos tem dúvidas, mesmo quando comandantes mais experientes, como Timóteo Costa, discordam dessa obrigatoriedade. “Estamos a falar de limites que são impostos da mesma maneira a um A320 ou a um pequeno bimotor. Não faz sentido”, argumenta o antigo piloto, que conta com mais de nove mil aterragens no Funchal.

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