A precariedade custa caro

Para além da relação de trabalho feita de chantagem, de medo e de falta de protecção, a precariedade não permite perspectivar o futuro e impede-nos de viver livremente

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A precariedade não é apenas um aspecto formal de algumas relações laborais, ou uma forma de organizar o trabalho como outra qualquer. Se ela está intimamente relacionada com novas formas de probreza e de exclusão social, e tem aproximado e impulsionado movimentos de pessoas em torno de novas identidades colectivas, da Geração à Rasca à "juventud sin futuro", é porque ela é mais do que a ausência de um contrato de trabalho que permita planos de vida. Esta condição manifesta-se em todas as esferas da vida pessoal e confina-nos a uma existência de insegurança. Para além da relação de trabalho feita de chantagem, de medo e de falta de protecção, ela não permite perspectivar o futuro e impede-nos de viver livremente. Por isso, a precariedade custa caro a quem não tem nenhuma alternativa senão viver do seu trabalho.

A precariedade também nos custa caro colectivamente. Contando todas as caras do trabalho precário para as quais há dados estatísticos (trabalhadores e trabalhadoras por conta de outrem — sem contrato sem termo, os recibos verdes, na maioria falsos, e ainda aqueles e aquelas que são obrigadas a trabalhar a tempo parcial porque não o conseguem fazer a tempo inteiro) havia em Setembro deste ano quase um milhão e 700 mil precários e precárias em Portugal, dados do INE. As consequências para a sociedade de mais de um terço da população empregue ser precária são difíceis de quantificar objectivamente, mas estarão intimamente relacionadas com o número de trabalhadores em burnout ou que sofrem de formas de esgotamento, ansiedade e depressão. É, portanto, um problema de saúde pública. Mas mais ainda, ela promove uma distribuição de rendimentos desigual, e a desigualdade estrutural, para além de injusta, trava o desenvolvimento do país. A par do custo proibitivo do ensino superior, a precariedade contribui para se instalar a percepção de que os empregos bons, com dignidade, segurança e que não nos ficam com uma fatia grande daquilo que produzimos são maioritariamente alcançados por aqueles e aquelas que pertencem a uma classe favorecida, e reduz, desta forma, o incentivo e a capacidade para o investimento individual em formação e conhecimento. E haver quem deixe de estudar porque sente que nem estudando consegue romper com a precariedade na sua vida empobrece-nos a todos e todas e comprime o potencial de desenvolvimento do país.

Mas se a precariedade nos custa caro individual e coletivamente, ficámos a saber recentemente que a precariedade também custa caro ao Estado, um dos maiores empregadores precários do país. Entre trabalhadores e trabalhadoras com contratos a termo, em regime de prestação de serviço com contrato de avença ou de tarefa, o Estado emprega 95.000 trabalhadores e trabalhadoras em modalidades precárias, dados da Síntese Estatística do Emprego Público da DGAEP. Estes dados não incluem os e as bolseiras de investigação científica que desempenham funções permanentes, os e as trabalhadoras em contratos emprego inserção ou, ainda, os e as trabalhadoras em falso outsourcing que trabalham para o Estado através de empresas intermediárias, que lucram com o aluguer de trabalhadores.

(Recorda que estas empresas já foram em tempos proibidas pela Organização Internacional do Trabalho da ONU, na sua convenção de 1949.)

É precisamente este último o caso de 275 trabalhadores e trabalhadoras precárias do Centro Hospitalar do Oeste. O Estado paga à Low-margin e a outras empresas intermediárias 8 milhões de euros anuais pelo trabalho desempenhado por este grupo de pessoas, maioritariamente assistentes operacionais, mas também técnicos e técnicas de diagnóstico e até alguns médicos e médicas, todos e todas subcontratadas. Fazendo um exercício de estimação muito optimista, se estas empresas gastarem uma média mensal por trabalhador de 2000 euros, contando com salários, impostos e subsídios, o Estado entrega todos os meses 117.000 euros de mão beijada a estas corporações que pretendem transformar o emprego numa enorme praça de jorna do século XXI. Ora, se esta é a realidade com estes 275 trabalhadores e trabalhadoras, imagine-se o desperdício para as finanças públicas que é não integrar nos quadros os e as trabalhadoras precárias ao serviço do Estado.

A precariedade é, portanto, um conjunto de formas de relações laborais que é preciso extinguir sem rodeios. Nesse sentido, foi aprovada em Novembro, na Assembleia da República, uma norma com vista à integração dos precários da função pública e do sector empresarial do Estado em 2017. Esperemos com expectativa pelos resultados deste processo. Mas não chega. Está também na hora do sector privado seguir o exemplo e pôr fim a estas formas feudais de emprego. E cabe à sociedade civil em uníssono exigir que nenhum precário e nenhuma precária fique para trás.

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