Já ninguém manda emails

Porque hoje é tão mais fácil mandar um “post”, fazer um “like”, mandar um Whatsapp ou um Snapchat, fazer um “tag” ou um “hashtag” na ponta de um dedo enquanto atravessamos a rua

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Mathyas Kurmann/Unsplash

Já ninguém manda emails. Já ninguém manda emails, já ninguém quer saber nem ninguém quer perguntar como estás, por onde andas, o que tens feito e como tens passado, porque não há tempo nem paciência, porque é tudo rápido e o amor para te escrever meia dúzia de linhas e um parágrafo é demasiado longo, leva demasiado tempo.

Porque hoje é tão mais fácil mandar um “post”, fazer um “like”, mandar um Whatsapp ou um Snapchat, fazer um “tag” ou um “hashtag” na ponta de um dedo enquanto atravessamos a rua, irremediavelmente sós no centro do mundo e de olhos no chão ao invés do carro para o qual já não temos tempo de olhar.

E se não há tempo para olhar para as quatro rodas que agora me passam por cima dos braços, reduzindo o pâncreas a papas e as pernas a metade do que foram, porque diabo há-de haver tempo para este email, para cinco minutos sentado a pensar em ti, em vez de pensar em mim ao longo das cinco mil “selfies” de todos os dias do acordar ao deitar, como se alguém quisesse saber, como se as pessoas não soubessem quem sou e o que estou farto de fazer, como se realmente importasse...

Porque se agora pouco importo, porquê insistir, porquê sonhar com a eternidade quando a eternidade apenas vem para nos levar e nem por isso recordar, e a vida continua, já continuava antes de mim e há-de continuar muito depois. Por isso, desculpa não ter tempo para este email, desculpa não te dizer nada, desculpa teres-te esquecido de mim, já passou tanto tempo e eu sem nada dizer num mundo onde as cartas, postais e selos fazem parelha nos museus com os portáteis de outrora desde o advento dos telemóveis e da realidade virtual.

Sabias que agora podes tirar uma “selfie” virtual com um “selfie stick” virtual? E se até o sexo é virtual, o que será de nós e deste prazo de vida de 80 anos, quem nos seguirá para rir a bom rir de tão grande narcisismo? O carro que no parágrafo acima me passou a ferro não parou, deixando o meu corpo a estrebuchar enquanto o frio da noite vem para me tirar o calor, a vida e a réstia deste olhar.

Levanto-me, deixo os braços para trás, já não me servem de nada, espero que todo o sangue saia pelas artérias braquiais, sacudo as calças e ponho-me a caminho de tua casa. Bato à porta, pela janela sai a cabecita de uma miúda com totós e umas sardas iguais às tuas. “A tua mãe?“, pergunto, para a seguir ver-te à janela num grito surdo enquanto chamas a atenção para o meu estado. Com a cabeça aceno que sim, para em seguida acrescentares, ”Mas por onde tens andado? Estou farta de fazer 'tags' no 'Face' e tu nada", ao que eu respondo “Estava à espera que me mandasses um mail”.

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