Proibiram-nas de andar de bicicleta. Elas responderam #iranianwomenlovecycling

Em resposta à "fatwa" que as proíbe de andar de bicicleta em sítios públicos, as iranianas começaram a partilhar fotografias e vídeos em que, lá está, estão a andar de bicicleta. É mais uma luta do movimento My Stealthy Freedom

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#iranianwomenlovecycling/Instagram

Nas últimas semanas, as mulheres iranianas têm partilhado nas redes sociais fotografias e vídeos a andar de bicicleta com a etiqueta #iranianwomenlovecycling. Até pode parecer um fenómeno trivial à partida, mas é bem mais político do que isso — é a resposta delas à "fatwa" (decreto religioso islâmico) em vigor que proíbe as mulheres de andar de bicicleta em público.

O desafio partiu da jornalista iraniana Masih Alinejad, fundadora do My Stealthy Freedom, um movimento social que tem dado nas vistas nos últimos anos graças a várias acções online (já lá vamos). No início deste ano, surgiram várias iniciativas no Irão a incentivar o uso da bicicleta de modo a diminuir a poluição no ar nas cidades. Segundo a "France24", "num país onde os direitos das mulheres são severamente restritos", os líderes religiosos mais conservadores "ficaram chocados por ver tantas a andar de bicicleta". Começaram então a surgir alguns cartazes que as proibiam de andar de em certas zonas, foram confiscadas bicicletas, canceladas algumas das campanhas. E, apesar de, como lembra o "Deutsche Welle", não existir à data nenhuma lei explícita e específica que o proibia, algumas mulheres foram mesmo detidas em Julho e obrigadas a comprometer-se por escrito que não iriam repetir esta "violação", dá conta o "Independent". 

Entretanto, a 10 de Setembro, o Ayatollah Ali Khomeini emitiu de facto uma "fatwa", segundo a qual as mulheres estão proibidas de andar de bicicleta em espaços públicos, alegando que tal representa, entre outras coisas, um perigo para a "virtude" da mulher. "Andar de bicicleta atrai a atenção dos homens e expõe a sociedade à perversão e, por isso, viola a castidade das mulheres, devendo ser abandonada", justificou o Líder Supremo aos média iranianos, de acordo com o "New York Times".

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Masih Alinejad recebeu um prémio de direitos humanos em 2015 pela campanha do hijab Toby Melville/Reuters

A resposta delas, amplificada online pelo My Stealthy Freedom, não se fez esperar. A meio do mês passado, incentivadas pelo apelo online de Masih Alinejad, banida do país em 2009 e actualmente a trabalhar como jornalista em Nova Iorque, começaram a partilhar fotografias e vídeos nas redes sociais em que se mostram a fazer exactamente aquilo que não deviam: andar de bicicleta. Uma mãe e uma filha, por exemplo, filmaram-se a pedalar em conjunto em Kish. Naturais de Teerão, decidiram agir mal souberam da "fatwa": "Alugámos imediatamente duas bicicletas para dizer que não vamos deixar de pedalar. É um direito nosso e não vamos desistir."




Uma outra ciclista descreve num vídeo todo o seu passeio: "Terminámos agora mesmo de andar de bicicleta na cidade. Éramos nove pessoas, duas juntaram-se a nós a meio — duas mulheres e o resto homens. Hoje ninguém protestou contra nós porque estavam homens a pedalar connosco. Aqui dizem que quando estás acompanhada por um homem, estás protegida e, por isso, quando me afastei um pouco do grupo ouvi pessoas a insultarem-me. Mas eu não estou preocupada, nem tenho medo, pois tenho a certeza que esta proibição será levantada nos próximos anos. Nesse dia, estarei orgulhosa por ter resistido à opressão, pois acredito que aqueles que nos oprimem estão errados. Para as mulheres não é um tabu andar de bicicleta e ninguém pode dizer-me que é."

Segundo um relatório de Julho do Foreign and Commonwealth Office (o ministério dos Negócios Estrangeiros britânico), a situação dos direitos humanos no Irão "piorou em muitos aspectos" no último ano, apesar das promessas eleitorais do Presidente Hassan Rouhani de uma sociedade mais livre. No que toca às mulheres, o documento refere medidas, ainda em discussão, que, a ser aprovadas, vão reduzir as iranianas a "máquinas de fazer bebés". Tratam-se de leis para reduzir o acesso a métodos de contracepção que "poderão forçar as mulheres a submeterem-se a abortos clandestinos perigosos", sublinha o "Independent". No Global Gender Gap Index, o índice do World Economic Forum que mede as desigualdades entre género, a República Islâmica do Irão, um país com encontrava-se em 2015 no 141.º lugar (em 145 países).

"Hijab" como opção

Com mais de um milhão de "likes" na página de Facebook, o My Stealthy Freedom tem estado na linha da frente na luta pelo direito das mulheres. Aliás, o movimento, iniciado por Alinejad em 2014, começou por apelar no Facebook às mulheres iranianas que partilhassem fotografias suas sem "hijab", defendendo que tal deveria ser “uma opção pessoal” e não obrigatória, como é desde a Revolução Islâmica de 1979.

A campanha correu o mundo e valeu a Alinejad um prémio de direitos humanos atribuído no ano passado pelo Geneva Summit for Human Rights and Democracy. Os ecos continuam até hoje — o rastilho foi novamente acendido nos últimos dias pela ameaça de boicote de algumas jogadoras de xadrez ao campeonato mundial feminino, que terá lugar no Irão em Fevereiro, por discordarem da obrigatoriedade de usarem véu. A campeã americana Nazi Paikidze-Barnes já anunciou que não marcará presença e, em declarações ao “Telegraph”, esclareceu a atitude: “É absolutamente inaceitável receber um dos mais importantes torneios femininos num local onde, até hoje, as mulheres são obrigadas a cobrir-se com um 'hijab'. (...) Eu compreendo e respeito as diferenças culturais. Mas o não cumprimento pode levar à prisão e os direitos das mulheres estão a ser brutalmente restringidos em geral”. Entretanto, lançou uma petição online que apela à mudança de país anfitrião do campeonato ou, em alternativa, que o "hijab" seja opcional.

Uma atitude que, revela o “Guardian”, já foi criticada por Mitra Hejazipour, uma das maiores jogadoras de xadrez iranianas, e por Ghoncheh Ghavami, a jovem britânico-iraniana que há dois anos foi detida por ter tentado assistir a um jogo de vólei em Teerão, que receiam que tal isole (mais) o país.

“A luta pela igualdade é um processo histórico e da mesma forma que as mulheres conseguiram ganhar os seus direitos na Europa e nos EUA, assim será no Irão”, afirmou Alinejad à "BBC”. Declarações feitas a propósito da campanha #iranianwomenlovecycling, mas que acabam por resumir todo o activismo online do My Stealthy Freedom. Porque, considera a jornalista, são “elas os principais agentes de mudança”.

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