Márcio foi com a mãe para o politécnico

Estudante perdeu a voz e ficou tetraplégico aos 11 anos. Está agora a fazer mestrado de Gestão no Instituto Politécnico de Leiria

Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Clica na imagem para aumentar
Fotogaleria
Clica na imagem para aumentar

Alda Serrazina partilha um quarto com o filho numa residência do Politécnico de Leiria. “Muita gente pergunta: ‘O teu filho vai estudar para quê?’ Eu pergunto: ‘Ele vai ficar em casa para quê? Ficamos os dois maluquinhos!’ Ele quis vir. Eu disse: ‘Quer ir, vai.’ O meu marido ainda perguntou: ‘Vai como?’ Eu respondi: ‘Vai como os outros!’ Eu estou cá para o ajudar. Não quero que um dia ele diga: ‘A minha mãe não me deu oportunidade de seguir o que eu queria.’”

Márcio é filho único. Há 14 anos, seguia com a mãe e o padrasto na estrada, houve um acidente. Era um menino. Ainda nem completara 11 anos. “O médico disse: ‘O seu filho está muito mal.’ Eu só pedia a Deus que não o levasse. Tinha ele dois aninhos, fiquei sem o pai dele num acidente.”

Perdeu a voz. Ficou tetraplégico. “Ele reagiu mal. Era um menino tão bem disposto. Falava muito. Tudo. Tentei dar-lhe força. Disse-lhe que não era o único, que a vida dele havia de seguir em frente, que eu estava cá para o ajudar.” Esteve cinco meses no Centro Hospitalar de Coimbra e um ano e meio no Centro de Reabilitação de Alcoitão. Recuperou alguns movimentos.

Foto
Clica na imagem para aumentar

Antes de o filho regressar à Benedita, em Alcobaça, Alda mandou alargar as portas da casa, pôr uma rampa no jardim, despediu-se da fábrica. Ele não podia estar sozinho. E tinha de continuar os tratamentos. Matriculou-o na escola. “A dificuldade que elas lá tinham! Propus desempenhar o papel de tarefeira. Estava por ali. Dava-lhe as refeições, levava-o a casa de banho. Fizeram-me um contrato.”

Findo o secundário, Márcio quis ir para o superior. E lá vieram as perguntas: “'Vais massacrá-lo para quê?’ Têm a ideia que estas pessoas [com deficiência] não precisam de se esforçar. Ele tem de se fazer à vida! De maneira diferente, mas tem.”

O rapaz, de 25 anos, já concluiu a licenciatura em Gestão. Começou agora o mestrado. Tem aulas à segunda, à terça e à quarta das 19h às 23h30. Ela leva-o e mantém-se perto. Senta-se no carro, costura, lê. Sai do carro, caminha um bocadinho. “Ele quer ir à casa de banho, dá-me um toque e eu vou.”

Márcio continua quase sem voz. No início, ninguém consegue ler-lhe os lábios, como a mãe dele faz. Tem de escrever o que quer dizer. A grande luta de Célia Sousa, do Centro de Recursos para a Inclusão Digital do Instituto Politécnico de Leiria, é convencê-lo a usar software de voz, como o usado por Stephen Hawking. “Terá de ser, se quiser defender a tese.”

No último ano lectivo, perto de 11 mil alunos com necessidades especiais frequentavam o ensino secundário. Neste ano, que agora começou, cerca de 140 entraram no superior, através do contingente especial de acesso a universidades e politécnicos para estudantes com deficiência e que é que composto por 2% das vagas fixadas para a 1.º fase do concurso nacional de acesso. A taxa de ocupação no ano lectivo que arrancou em Setembro foi de apenas 14%. Ainda assim, a mais alta dos últimos cinco anos.

Sugerir correcção
Comentar