Selecção Nacional, perdoa-nos!

O único que acreditava era Fernando Santos, e a previsão foi de tal maneira profética que acho que o Nostradamus reencarnou num treinador de futebol

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Raquel Pina/Ilustração

Em nome de todos os portugueses, é preciso deixar um gigantesco pedido de desculpas aos 23 rapazes que venceram o Campeonato da Europa. É preciso ser-se pretensioso para o fazer, mas não me importo de dar o peito às balas, uma vez que também fui culpado de alguns destes crimes hediondos que aqui enuncio. Sem mais delongas, cá vai o acto de contrição.

Rui Patrício, desculpa por termos dito que davas mais frangos do que as promoções do talho do Continente. És o melhor da Europa, e isso diz tudo.

Eduardo, desculpa por termos dito que estavas acabado e que, para defenderes alguma coisa, só se fosse de muletas. Aquele teu berro de confiança para o Moutinho, nos penáltis contra a Polónia, valeu mais do que as lantejoulas da Joana Vasconcelos.

Anthony Lopes, desculpa por termos dito que eras um desconhecido que nem sequer ia jogar no Euro. Hã? Estão aqui a dizer-me que não jogaste... Bom, desculpa por tudo na mesma.

Cédric, desculpa por cada adepto do Sporting (e não só) que disse que mal sabias andar, quanto mais jogar à bola. Contigo, não há Pogba ou Bale que se aguente nas canetas.

Vieirinha, desculpa termos dito que eras o principal culpado pelo empate pela potência europeia que é a Islândia. Estávamos enganados: sobre ti e sobre a Islândia.

Bruno Alves, desculpa por termos feito pouco de ti quando decapitaste aquele avançado inglês. Foi uma pena não teres entrado para dar um miminho ao Payet.

José Fonte, desculpa por toda a gente que andava a perguntar quem tu eras, de onde vinhas e em que clube jogavas. E, em nome de todos os outros cegos que não te contrataram para clubes lusos nem te convocaram mais cedo para a Selecção, desculpa.

Pepe, desculpa por andarmos a dizer que eras o maior carniceiro da História desde os tempos em que o Estripador desapareceu de Whitechapel.

Ricardo Carvalho, desculpa por termos dito que ias ser o gestor geriátrico da comitiva portuguesa. Tens 38 anos, mas dás a ideia de que poderias ser titular até aos 84.

Eliseu, desculpa por termos andado a dizer que tens um rabo mais pesado que um cachalote e que ias exigir que fossem entregues sete carregamentos diários de duzentos quilos de bifes da vazia. Foste um senhor e gozaste o prato de cada vez que desfraldaste aquela bandeira nacional ("gozaste o prato", curtiste? O trocadilho com a comida? Hã, hã?)

Raphel Guerreiro, desculpa por nenhum grande do futebol português te ter ido buscar àquela caverna francesa onde jogaste durante demasiado tempo. Só tenho pena de ti nos jogos em que defrontares o Renato Sanches, quando alinhares pelo Borussia. De resto, acho que vais ter a Alemanha aos teus pés - eis o sonho de qualquer português.

André Gomes, desculpa por termos dito que foste alvo de uma negociata manhosa do Jorge Mendes com o Peter Lim. És um senhor jogador, oxalá vás para o Barça. O Iniesta está a precisar de descansar.

Adrien Silva, não tenho motivos para te pedir desculpa, o que significa três coisas: de uma maneira geral, foste irrepreensível no Europeu inteiro; és um tipo exemplar e, dirão outros, um choninhas que não parte um prato. #nuncamudes

William, desculpa por termos dito que eras lentíssimo, que nunca acertavas um passe vertical e que pareces o Eddie Murphy com esse bigode.

Danilo, desculpa por termos dito que eras um clone do William, mas em bom.

João Mário, desculpa por dizermos que falhas mais passes que um revisor da linha de Sintra num comboio cheio de pilantras.

João Moutinho, desculpa todas as piadas com maçãs e anões. Foste um gigante em campo e estiveste sempre à altura dos desafios. (Podia ficar aqui até às dez da noite a fazer piadas sobre a tua baixa estatura, mas o meu 1,70m não o permite.)

Renato Sanches, desculpa por termos andado a dizer que tinhas 40 anos em cada perna. Tens é 40 milhões de euros bem merecidos. (Ai de ti que não venças uma Bola de Ouro, meu estuporzinho. Agora vai lá desfazer os rins aos alemães, anda.)

Nani, desculpa termos dito que tinhas perdido o faro do golo em 1916 e que só querias ter um milímetro do talento do Ronaldo. Calaste-nos a todos com a melhor mordaça de sempre. És grande e mal podemos esperar por mais um mortal.

Cristiano Ronaldo, desculpa por termos dito que eras um puto mimado, que ias chorar outra vez numa Final (não pelos melhores motivos) e que o Messi é que é um tipo às direitas. Resultado da brincadeira: foste um senhor com os tintins no sítio certo nos momentos em que eras preciso, o Messi amuou depois de falhar um penálti e choraste de alegria, de caneco na mão. (Para ser perfeito, era teres evitado aquela história do microfone do Correio da Manhã. Desceste ao nível deles, mas toda a gente erra.)

Quaresma, desculpa por termos feito tanta piada ali a roçar o racismo contra os ciganos. Ainda que estivéssemos a brincar, também importa dizer que nos enganámos. Roubámos alegrias aos franceses e soube-nos a ginjas.

Rafa, desculpa por nos esquecermos constantemente de ti. Mal tiveste tempo de antena, mas és um maquinão nos relvados portugueses. Ainda hás-de ser maior.

Éder, eras conhecido como poste, tronco, cone. Como disse um amigo meu no momento em que marcaste aquele golão: cone, o caralho! Hás-de ser o artilheiro do Euro 2032 e nós ainda andaremos a engolir o monte de piadas que fizemos sobre ti. Desculpa, luva branca. És o rei disto tudo.

Estes 23 foram uns heróis e nós, os tais 11 milhões, nunca acreditámos que era possível chegarem onde chegaram (muitos deles dirão que não, jurarão que sempre acreditaram, mas é mentira). O único que acreditava era Fernando Santos, e a previsão foi de tal maneira profética que acho que o Nostradamus reencarnou num treinador de futebol.

Agora, uma última coisinha: assim como não estamos habituados a vencer troféus europeus, também não sabemos como parar com farras imensas. Alguém nos explica como é que regressamos, pé ante pé, ao marasmo da normalidade?

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