O Porto autêntico não é isto, senhores!

A parte do filme que mais suscita interrogações é a que envolve o protagonista masculino, que acorda numa cama de um ho(s)tel, sitiado entre uma cabeça de alce e uma mulher...

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Não há uma segunda oportunidade para ter uma primeira boa impressão. E o filme que serve de promoção ao Porto gastou as fichas todas. O filme, contextualize-se, é a primeira parte de um trabalho mandado fazer pela Câmara Municipal do Porto e recentemente apresentado em Viena, Áustria, durante a cerimónia de entrega dos ED Awards (organização que anualmente elege os melhores do design na Europa), que a cidade acolherá em 2017. Supostamente, o filme serve para promover o Porto, enquanto cidade “cosmopolita e autêntica”. E digo supostamente porque tenho sérias dificuldades em me rever neste retrato gastronómico-amoroso-desportivo de uma cidade que tem muito mais para oferecer do que as sugestões redutoras que aqui são apresentadas.

A parte do filme que mais suscita interrogações é a que envolve o protagonista masculino, que acorda numa cama de um ho(s)tel, sitiado entre uma cabeça de alce e uma mulher. Da estória, não se percebe se a mulher em causa é a namorada do turista, ou se está ali deitada fruto de uma “one night stand”. Para todos os efeitos, isso não é um pormenor de somenos. Aliás, basta atentar nas várias reacções de portuenses escritas na própria página do Facebook da autarquia, a esmagadora maioria das quais nitidamente contra este bilhete postal do Porto…

Também não é caso para desatar a gritar “aqui d’El Rei!” que querem mostrar o Porto como um destino de turismo sexual, ou que o filme é sexista, por apresentar o típico caso de engate ele vs. ela. Claro que não é essa a intenção, embora, face ao guião da estória, esta seja uma das leituras possíveis. E no caso de uma cidade que quer projectar o seu nome no estrangeiro, não pode haver margem para dúvidas na mensagem que está a tentar passar. É caso para perguntar onde é que o guionista do filme tinha as ideias quando resolveu materializar tal desconchavo.

Se o objectivo era mostrar um Porto jovem, descomprometido e “cosmopolita”, então esta primeira parte do trabalho é um tiro na água. Mas esta primeira parte do bilhete postal não se fica por aqui. O Porto gastronomicamente “autêntico” gira à volta de um prato de tripas enfarinhadas fritas a servir de petisco, de uma francesinha e de dois pratos de peixe. Muito fraquinho e redutor enquanto retrato de uma cidade que tem vindo a receber espaços de gastronomia de alguns dos melhores chefs nacionais e que pretende lançar-se na contemporaneidade gastronómica da Europa e do mundo.

De há vários anos a esta parte, a Câmara Municipal do Porto e as várias entidades que com ela colaboram neste particular, tem vindo a realizar um trabalho notável de posicionamento da cidade “para cima”. É notório que a cidade está nos grandes roteiros turísticos internacionais, que recebe gente dos quatro cantos do mundo, que já é procurada em vez de procurar, que, que, que…

Mas neste afã de querer dar mais novos mundo ao Porto, não podemos todos deixar de ter os pés bem assentes na terra. Mesmo que o palco de apresentação do filme tenha sido o ED Awards, logo, um momento óptimo para exibir um Porto “cosmopolita e autêntico”, pedia-se mais cuidado no modo como os argumentos de sedução são apresentados. A estória até podia ser cosmopolita, mas não retrata o Porto autêntico.

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