Todos os bebés são fascistas

Os bebés não são as coisas lindas que toda a gente diz. Ok, até podem ser, mas não só não é o seu único atributo como na maioria das vezes isso nem sequer é visível

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Os bebés são pequenos ditadores que não ficam a dever nada a Kim Jong-Il, Mao Tsé-Tung ou Genghis Khan cuja primeira medida, desde o dia zero, é despojar os pais de um dos braços. Mesmo não sendo literalmente decepado, o braço deixa efectivamente de nos pertencer, passando o seu uso a ser propriedade única e exclusiva dos filhos. Isto significa que desse dia em diante viveremos a vida de um desmembrado, alimentando-nos apenas com uma mão, e também apenas com uma mão executaremos tarefas tão simples como abrir frascos ou mesmo a higiene pessoal. Por isso, caros futuros pais, é começar desde já a treinar trabalhar ou cozinhar apenas com a mão direita.

Além desta modalidade quasi-paraolímpica, oportunidades para treinar sprints também não faltarão, particularmente nos momentos em que, por algum desconhecido milagre conseguimos com que o nosso bebé adormecesse e o pousámos para uma há muito sonhada pausa de cinco minutos. Eis senão quando, mal pomos um pé fora da porta do quarto, a deserção é detectada e toca de abrir a goela. Lá vamos nós a fazer um sprint de volta para mais um "round" pai vs sono, e uma vez vencido o combate, é sprintar de regresso ao que quer que seja que íamos começar a fazer. Essas são, portanto, outras características que também vão ser bastante desenvolvidas por qualquer domesticador de bebés: a memória e a capacidade de concentração. Também a dedução e a intuição terão chance de ser trabalhadas, sobretudo quando surgem os choros incessantes para os quais não se percebe a origem. E não esqueçamos a Santa Paciência, esse super-poder que falta a tantos de nós.

Entretanto, a par das capacidades atléticas, serão igualmente desenvolvidas as de massagem infantil como forma de recuperar o bebé para o jogo da noite. No meio de tudo isto, as mamas, outrora objecto de desejo e luxúria, não serão agora mais do que duas embalagens de leite, as mais atraentes de todas as do mercado, mas apenas embalagens de leite mesmo assim.

Finalmente, toda aquela literatura, alguma científica, outra nem tanto, cursos de preparação e dicas de amigos sobre adormecer, amamentar, acalmar e educar não vão servir para nada, porque ou estão totalmente erradas ou afirmam a ÚNICA verdade sobre os bebés: cada caso é um caso e o que resulta hoje não resulta amanhã. Porque, nas palavras de Heráclito, “Tudo flui” e cuidar de um bebé é sofrer isso na pele, todos os dias a todos os minutos. E ainda está para ser inventado o workshop, livro, grupo de apoio ou página de internet que mude isso. A vantagem é que seremos cada vez melhores a dominar a milenar prática zen de viver no momento, aproveitando cada segundo livre como se fossemos Buda debaixo da figueira.

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