E se fosse consigo, senhor(a) político(a)?

Bom seria se este “sketch” da vida real não caísse nas profundezas do esquecimento. Não apenas dos cidadãos como nós, como também dos políticos

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Pedro Cunha

Se uma imagem vale mais do que mil palavras, uma acção espontânea vale seguramente mais do que mil campanhas eleitorais. Catarina Martins, porta-voz nacional do Bloco de Esquerda, foi uma das pessoas “apanhadas” do programa “E se fosse consigo?”, que a SIC, através da jornalista Conceição Lino, está a desenvolver. Os cenários escolhidos pela produção do programa são os mais variados e pretendem colocar à prova o “sangue de barata” dos portugueses, perante uma situação de violência no namoro, neste caso, num espaço público – o Jardim da Estrela, em Lisboa.

Os mais cépticos podem alegar, como o fizeram, que este episódio foi de alguma forma fabricado, tal a prontidão e firmeza da reacção de Catarina Martins. Uma tontice, acredito. A política, sendo também a arte do fingimento, assenta em princípios como os da credibilidade, assentando esta por sua vez numa boa dose de espontaneidade e na genuinidade. O que não acontece, de todo, nas campanhas eleitorais, os momentos escolhidos pelos políticos para mostrarem aos potenciais votantes quão próximos são do cidadão comum.

Nas campanhas eleitorais, todos os momentos devem ser preparados com minúcia, praticamente à prova de imprevistos. Uma visita ao hospital, ao mercado local ou a vulgar arruada têm por detrás várias horas de trabalho, feita por uma equipa de profissionais: desde o estudo do terreno, aos contactos com os militantes locais ou com a polícia, tudo tem de ser meticulosamente trabalhado para que pouco ou nada falhe. É um ambiente de plástico à guisa de espontâneo.

Ora, além das virtudes da própria campanha lançada pela SIC contra a violência no namoro – uma chaga tantas vezes escondida e que tão profundamente marca muitos jovens –, o que salta à vista neste “episódio” é precisamente a expressão natural da porta-voz do Bloco de Esquerda. Não sendo um especialista em linguagem corporal, as imagens sugerem que Catarina Martins foi de facto apanhada desprevenida, enquanto se dirigia para a gravação de um tempo de antena do partido que lidera. Outras leituras haverá, certamente, mas…

Bom seria se este “sketch” da vida real não caísse nas profundezas do esquecimento. Não apenas dos cidadãos como nós, como também dos políticos, pois é sobre estes que recai a especial responsabilidade de estar na dianteira do combate às injustiças, aos maus-tratos, enfim, aos abusos, seja qual for a sua índole. Mas isso não nos pode eximir de fazer o que estiver ao nosso alcance para ajudar a terminar com um flagelo muitas vezes silencioso e que pode destruir por completo as vidas de quem é vítima deste acto cobarde. Acredito que a classe política em geral já tenha visto com muita atenção esta reportagem. Se não viu, devia. Porque as boas lições de vida – intervir quando é preciso, chamar à razão quem está fora dela – são sempre bem-vindas. Da esquerda à direita, sem excepção.

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