A escola do 25 de Abril

A História não se pode cingir ao simples desbobinar de datas como se fôssemos uns papagaios ao ombro de quem se diz nosso dono. Porque mostra às novas gerações os erros cometidos que não se querem repetidos, incluindo a Ditadura e o perigo de colocar nas mãos de um único indivíduo todos os sonhos do Homem

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PÚBLICO

Na escola nunca dei o 25 de Abril. Porque o programa era demasiado extenso, dizia a professora, porque a escola não era para se falar de política, e muito menos do 25 de Abril, dizia o Presidente do Conselho Directivo, o “Bigodes“, de modos que até acabar o Secundário para mim o 25 de Abril nunca foi mais para além de um feriado onde se ficava em casa ou se ia à rua com os amigos, felizes porque livres, e ao mesmo tempo tão ignorantes dessa liberdade pela qual tantos deram a vida.

Foi preciso chegar à Universidade e travar conhecimento com um senhor, de seu nome António Lobo Antunes, e o seu “Fado Alexandrino“ para que, volvidos 18 anos após o meu nascimento, alguém me contasse ao longo de 700 páginas como foi viver a noite, a madrugada e o dia da revolução mais o medo e os punhos erguidos e os gritos de “Basta" e “Mais não" por detrás das espingardas, dos tanques e das barricadas, e como por um dia foi possível a todo um povo voltar a sonhar, voltar a gritar, voltar a viver, sem receio, sem bufos, sem PIDE, sem repressão, sem censura, sem clausura, em liberdade.

E por isso a importância da História, como tema, como disciplina, como ciência, a qual não se pode cingir ao simples desbobinar de datas e acontecimentos como se fôssemos uns papagaios ao ombro de quem se diz nosso dono, prontos a repetir as ideias, os conceitos e as palavras que nunca foram nossas, mas que outros tanto querem que sejam.

Porque para mau grado de quem está pouco habituado a viver em liberdade, a História vem mostrar às novas gerações os erros cometidos que não se querem repetidos, incluindo a Ditadura e o perigo de colocar nas mãos de um único indivíduo todos os sonhos do Homem (perdão, do Homem e da Mulher, senão daqui por cinco minutos tenho o Bloco à perna...).

Custa-me, portanto, compreender a azia dos professores de História, pelo menos os meus, guardiões do passado, arquitectos do futuro e, ao mesmo tempo, “estratosfericamente" chatos no seu debitar, data após data, página após página, de todos os acontecimentos da História da Humanidade, sem discussão, sem debate, sem permitir aos alunos perguntar porquê, porque é que se agiu de determinada forma e não de outra, e se fôssemos nós, nada! Assim, tornaram o passado tão enfadonho como as aulas em si, numa atitude que só encontra sentido numa escola pouco ou nada interessada em formar indivíduos cujo saber não coloque em causa o sistema ao qual os mesmos pertencem, escola essa, quarenta anos volvidos, ainda pouco habituada a viver em Democracia.

Porque, infelizmente, a História, dos homens e das mulheres (e assim, está bem?), acaba sempre por dar no mesmo, no sofrimento dos povos ao longo dos séculos e de como os mesmos de bom grado deram todo o seu sangue, porque dar todo este sangue é em tudo melhor a viver assim, para que a História não se reviva. Em Portugal não foi diferente, e por aqui percebo o mutismo dos meus professores, porque ao falar da História do século XX é impossível não falar de todas as vidas aprisionadas e de todo o sangue igualmente perdido, em nome de um ideal a que uns chamam comunismo, contra a ditadura, e a que outros chamam liberdade.

E enquanto insistirmos, ao melhor estilo do Professor Marcelo, em resumir o século XX em “40 anos de Ditadura e depois tivemos o 25 de Abril“, não estaremos apenas a negar a nossa própria História e quem tanto fez para alterar o rumo da mesma, estaremos a garantir que um dia destes a História se repita, desta feita nas mãos de mais um louco qualquer, para mal de todos nós. E portanto, meus caros, viva o 25 de Abril, e entretanto mal posso esperar para ver se é hoje que o Presidente da República usa um cravo na lapela!

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