“Aceitamos condições como a da Work4u por desespero”

"Marca" que oferecia estagiários de borla e à experiência já fechou portas. Quantas pessoas foram já lesadas pela Work4u ninguém sabe. O P3 falou com Joana Fernandes. O "desespero" por um lugar no mercado de trabalho quase a fez cair na teia

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Joana Fernandes foi uma das lesadas pela Work4u Pixabay

Fez 200 quilómetros para comparecer numa entrevista de emprego que era afinal um processo de selecção para possíveis entrevistas de emprego futuras. Para ter acesso a elas, teria de pagar 30 euros e, caso fosse seleccionada, mais 30. O anúncio de “estágio remunerado” na área de Design de Moda ao qual respondeu não tinha afinal remuneração para além de 200 euros mensais para alimentação e transporte — valor variável consoante a vontade da empresa. Joana Fernandes bateu a porta. Mas só no dia seguinte, ao cruzar-se com a denúncia feita pela plataforma Ganhem Vergonha, percebeu o que tinha vivido nas instalações da Work4u.

Joana é apenas uma entre os muitos candidatos a emprego que passaram pela Work4u, uma “marca” por detrás de um negócio maior que envolve duas empresas e uma associação, todas geridas pelos mesmos empresários. A actividade da Work4u foi entretanto encerrada, mas o que está por detrás desta “fachada” é algo maior.

Para a jovem algarvia de 25 anos este seria já o quarto estágio num período de um ano. É licenciada em Design de Moda e Têxtil e mestre em Design de Vestuário e Têxtil. Nunca teve um emprego remunerado, não conhece um contrato de trabalho. Nem através dos estágios do Instituto de Emprego e Formação Profissional conseguiu ainda um lugar. “Hoje em dia é difícil encontrar o primeiro emprego”, lamenta. Por que razão se sujeitam tantas pessoas à precariedade? “Aceitamos condições como a da Work4u por desespero.”

O contacto com o projecto começou no primeiro dia do mês de Fevereiro. Joana lembra-se dos passos detalhadamente. Respondeu online a um anúncio “urgente” de “estágio remunerado” para “prestigiada empresa cliente na área de Design de Moda” e o “feedback” foi quase imediato. Uma funcionária da Work4u contactou-a por telefone e sugeriu-lhe uma entrevista no número 96 da rua Bartolomeu Dias, em Lisboa, para o dia 3. Tinha de levar um currículo e 30 euros para a inscrição na Work4u. Para que empresa estava exactamente a concorrer? Recusaram responder.

Apesar de o pai ter achado “estranho” o pedido de um pagamento, Joana Fernandes decidiu arriscar. Viajou do Algarve até à capital. “Cheguei à morada que me deram e deparei-me com um centro de formação de nome Ibérica.” O local onde decorreu a entrevista era “uma sala de formação de medicina ou algo do género”, descreve.

Só quando a entrevistadora perguntou para que vaga estava a concorrer é que a ficha caiu completamente: “Não estava na empresa de Design de Moda.” Explicaram-lhe que aquele era um processo de selecção antes da entrevista com a empresa. Primeira desilusão. Mas havia mais: o “estágio remunerado” tinha, afinal, apenas um vencimento de 200 euros para transporte e alimentação — e este valor podia até ser outro, mais baixo. Como, aliás, se percebia no anúncio que deu início à polémica: “É a empresa que define o valor mensal de apoio.”

“Disse-me que o estágio seria extra-curricular e que assim são todos os estágios que realizam”, recorda Joana. Mas, como refere a Ganhem Vergonha num resumo do caso que fez na plataforma: “Apesar de muitas vezes referenciado em anúncios, estágio extra-curricular é um tipo de vínculo que não está previsto em nenhuma lei e que é inventado por muitos empregadores.”

Joana ainda não tinha desistido. De que “empresa prestigiada” se tratava afinal, insistiu. Recusaram-se a dizer. Saiu das instalações da Ibérica com um sabor amargo. Ainda vacilou, mas o facto de estar deslocada de casa tornava inviável mudar-se para Lisboa a receber 200 euros. “Ponderei porque trabalhar na área é o que qualquer jovem licenciado ou mestre pretende”, admite. “Muitas pessoas aceitam por acharem que pode ser a única oportunidade. Preferem realizar este tipo de estágios sem condições algumas a estar paradas.”

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