Quando choramos pelos astros

Que raio de semanas estas. Primeiro o Weiland, depois o Lemmy. Mais tarde, a hecatombe maior: o Rickman logo a seguir ao Bowie

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- Não tens vergonha por andares a chorar por causa de um tipo que não fazia a mais pálida ideia de quem és?

Que raio de semanas estas. Primeiro o Weiland, depois o Lemmy. Mais tarde, a hecatombe maior: o Rickman logo a seguir ao Bowie. E, para fechar com chave de esterco, o Frey dos Eagles. Lágrimas atrás de lágrimas, dores atrás de dores. Milhões e milhões de pessoas compadecidas, condoídas com tais desaparecimentos. Outros, os que não nos entendem, interrogam-nos: como se pode chorar um desaparecimento de alguém que nunca nos apareceu à frente?

Tenho pena das pessoas que nunca se permitiram encantar pelas artes. Porque as artes são a ilusão da vida, são a suspensão temporária dos dias miseráveis e vazios que temos. Porque as artes são os alentos que encontramos para enfrentar as coisas mundanas e horrorosas que nos aguardam, pacientemente, seja a discussão com a namorada, o ar acabrunhado do chefe ou a pilha de papel que está por despachar.

Felizmente, temos extraterrestres abençoados pelos mistérios insondáveis do poder criativo que nos mostram caminhos com os quais nunca poderíamos sequer sonhar. Os Bowies e os Lemmys desta vida, pejados de fantasia tornada real, vívidos de uma intensidade inalcançável. É, pois, natural que nos deixemos perder nas vielas dos seus esconderijos mentais, dos quais abrem cortinas, de tempos a tempos, para que possamos beber das suas fontes mais estranhas e maravilhosas. Se fôssemos forçados a viver num mundo onde estas pessoas não existissem, o que seria das nossas existências? Seríamos autómatos cinzentos, zombies disfarçados de gente, maltrapilhos que pouco mais saberiam sobre o ofício de ser humano para além da respiração.

Na verdade, perder um Rickman ou um Weiland é tão ou mais violento que perder o vizinho que nos dá os bons dias todas as manhãs. Não por terem uma proximidade física, que não a têm, mas por terem outra, bem mais importante, bem mais íntima: a conexão emocional entre artistas e público (ou, para ser mais exacto, fãs) pode ser tão intensa quanto a de dois amantes trémulos. De nenhum outro modo se pode explicar que lágrimas irrompam a meio de concertos ou que furores despertem corações a meio de filmes.

Portanto, em resposta à pergunta tantas e tantas vezes repetida por essa internet fora nos últimos dias: não. Não temos vergonha de ter chorado a recordar o Lemmy assim como ninguém devia ter vergonha de chorar a perda de um Bowie ou de outro qualquer astro que resolva zarpar daqui para fora. Sim, porque os próximos hão-de acontecer. Quando menos esperarmos, seremos castrados de um Ozzy, de um Cohen, e de outros que tais. Que mais podemos fazer, por ora, senão apreciar os que ainda vivem e recordar as ilusões que nos ofereceram os mortos?

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