A vitória do Marcelismo

Vamos ter na Presidência filho do Governador-geral de Moçambique durante o tempo do Estado Novo

Foto
Rafael Marchante/Reuters

Noite de eleições, vinte horas, no Canal Um o Zé divulga a sondagem da Católica entre pulinhos de alegria, dois passos de dança e um soco de vitória no ar: Marcelo está à beira da eleição à primeira volta, sendo que me escuso a comentar a parcialidade do "pivot" do telejornal bem como da sondagem de uma instituição cujo nome diz tudo.

Ainda a contagem de votos está longe de terminar e já Maria de Belém anuncia ser Marcelo o próximo Presidente de todos os Portugueses, excepção feita para todos os que não votaram nele, este vosso incluído. Não deixa de ser curioso como esta gente já sabe dos resultados muito antes de todos nós. A consequência imediata é o acorrer da malta do "pêéssedê" em força à sede de campanha do “professor“, malta essa maioritariamente ausente durante a campanha presidencial mas agora pronta a exigir a dissolução da assembleia e a queda do usurpador Costa.

Preocupante.

Na sede do Nóvoa a falta de ideologia é gritante quando uma das apoiantes manda beijinhos à Maria e muitos parabéns à Marisa, e uma pessoa fica sem perceber quem afinal apoia quem no meio desta história.

Pelo caminho uma abstenção superior a cinquenta por cento cumpre mais um infeliz recorde, fruto da desresponsabilização de metade de um país decidido em ter quem por ele decida sem, literalmente, ter voto na matéria. Depois não se queixem.

Entretanto o Zé, não contente em ter o seu candidato praticamente eleito, torce diante dos resultados para que o Tino fique à frente do candidato comunista, e a mesquinhez sempre foi tão triste como condenável e um pouco de dignidade fica sempre bem. Mas esta classe jornalística, mal formada de raiz, há muito vive mais preocupada em defender o que é seu em detrimento da informação, da assertividade, da imparcialidade, pouco interessada em questionar um sistema do qual, ela própria, faz parte, a começar desde logo pelo Zé.

Sinceramente, para além de servir para ter um ataque de nervos, não sei porque insisto em ver noites eleitorais. Talvez porque a criança em mim insiste na esperança, insiste em acreditar no Pai Natal, insiste em acreditar numa insurreição nacional e racional contra uma classe que espezinha e sangra o país desde que uma certa revolução e o seu sonho chegou ao fim passados agora quarenta e um anos. Mas a esperança nem por isso vive em vão, ou não fosse o presente governo apoiado pelos partidos de esquerda, ou não vivêssemos já reformas há muito precisas, há muito esperadas.

Vinte e uma horas e vinte e três minutos: Zé, de caminho vê outra vez os resultados, o Tino afinal ficou para trás e por isso não percebo essa tua insistência em não só realçar os distritos nos quais o Tino ficou à frente (paciência, acontece, o povo é mesmo assim, soberano) como bater na mesma tecla, que “o Tino é quem manda e o pêcêpê vai à banda“.

Vinte e uma e cinquenta e dois, noventa e oito por cento dos resultados apurados, o “professor“ vai à frente com cinquenta e dois por cento dos votos e está na hora de ir para a cama, até porque não estou particularmente interessado em ouvir citações do Papa Francisco da boca do futuro Presidente.

Finda mais uma noite de eleições, em Portugal, entre os abstencionistas e os que votaram, vamos ter na Presidência o filho do Governador-geral de Moçambique durante o tempo do Estado Novo, de nome Marcelo, em homenagem ao outro, mas sem dois "élles" . Chegou assim ao fim mais uma eleição em democracia a qual, só tenho pena, nem sempre funciona.

Sugerir correcção
Comentar