O fim das nomeações

No fundo, eu já nem sabia o que era mais grave, se o tacho, se a publicidade desbocada nas redes sociais, se o maldito "feissebuque" mais quem o inventou...

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Como é que é? Não percebi, explica lá outra vez? Ora bem, então é assim, voltemos um pouco atrás no tempo, estamos em Dois Mil e Onze, mais precisamente a trinta de Junho, o Passos tomou posse há mais ou menos nove dias e o Tó veio para o "feissebuque" bradar aos céus que ele e a mulher acabaram de ser nomeados para o ministério (vulgo tacho, entenda-se, ou "jobs for the boys", como dizia o nosso bem conhecido Guterres) e a mulher não podia aceitar porque tinha de ficar em casa a tratar da ninhada de crianças que, por fruto do casamento e outras coisas mais, entretanto lhe tinha invadido a casa, quais apaches a tomar o forte dos "cáubois", com a diferença que estes apaches lhes tomavam o forte todos os dias, desde bem cedo até à noitinha, e como família honrada que eram não lhes passava pela cabeça largarem os petizes em mãos alheias e desconhecidas, que ainda acabavam com a filharada toda a falar cantonês, mandarim ou ucraniano (xenofobias aparte, as quais escusamo-nos de comentar).

Eu, no entanto, não podia acreditar no que os meus olhos viam: então o Tó achava normal cair-lhe um tacho no colo e ainda se vinha queixar para toda a gente ver?! O mesmo Tó com o qual cresci, vivi, dormindo no mesmo quarto naquelas noites de crianças, brincadeiras e algazarra pela noite fora, com quem discuti sonhos, miúdas, copos, lágrimas, os primeiros cigarros, muitos copos, esse mesmo, o Tó, como se fosse o meu irmão, mas não é e, no entanto, naquela altura foi. Mais, a malta toda do grupo enchia-lhe o "post" de palmadinhas nas costas e "vais ver que tudo vai correr bem", e eu a ver cada vez mais turvo, "Mas isto está tudo parvo? Então metade desta malta está mais que desempregada e ainda vêm com falinhas mansas?!?!"

Naturalmente, comentei: "Parabéns aos dois", acrescentado saber não ser façanha fácil ser-se nomeado para um cargo ministerial, ainda para mais se tivermos em conta a falta de emprego hoje em dia, as entrevistas e "eu sei lá que mais, por isso parabéns". Resposta do Tó, "Não, estes cargos são de nomeação directa, só para pessoas do partido e com experiência.", e eu, a fazer-me de parvo, digo "Mas se a tua mulher está em casa há quatro anos, que experiência pode ela ter?". Resumidamente, a conversa do lado do Tó descambou para a ordinarice. No entanto, o facto estava consumado: o governo ainda não tinha aquecido o lugar e já se faziam ouvir os ecos do favoritismo, e nem por isso sombra alguma de meritocracia ou a esperança na mudança do sistema, da cultura e do "modus vivendi" de gerações de incapazes, (i)responsáveis pelos destinos de um país de há quarenta anos para cá, mais todas as pessoas nele incluídas, eu, de olhos esbugalhados defronte do computador, ainda sem acreditar, tu, que estás a ler, e todos nós, nesta barca à deriva.

Mais ou menos pela altura em que o Obama assumiu a presidência, andou a circular na net um daqueles vídeos inspiradores, desta feita com a seguinte afirmação, em grandes parangonas: "Nós somos as pessoas de quem estivemos à espera", querendo com isto dizer que agora que já somos todos adultos, educados e criados, temos o poder de, de uma vez por todas, mudar o mundo, fazê-lo parar de girar, girar ao contrário ou então mais depressa, tanto faz, porque agora nós crescemos e agora nós somos capazes! E, no entanto, ali estava ele, o Tó e a mulher, capazes de verdadeiramente mudar o mundo com um daqueles empregos impossíveis e, ao mesmo tempo, mais preocupados com o umbigo e a lua que gira sempre à sua volta, sem sequer questionar a justeza de um sistema viciado à partida e responsável pelas maiores desigualdades da Europa Ocidental.

No fundo, eu já nem sabia o que era mais grave, se o tacho, se a publicidade desbocada nas redes sociais, se o maldito "feissebuque" mais quem o inventou...

De então para cá passaram quatro anos, o governo mudou, o governo caiu, e consigo o Tó também, ou melhor, antes de cair o Tó já se tinha demitido porque a "édêpê" tinha uma vaga de topo e logo por sorte tinha sido ele o escolhido, e agora temos o "pê-ésse" no governo e, graças a Deus, o fim dos tachos e das malditas nomeações, de uma vez por todas, porque por alguma razão tiveram eles o meu voto, cansado que estou de tanta mixórdia, de tanta consanguinidade, cansado deste bacanal e da falta da verdade.

Obviamente, nunca mais falei com o Tó.

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