Estratégia orçamental do Governo é a mais restritiva de toda a zona euro

Entre os programas de estabilidade apresentados pelos governos da zona euro, o português é aquele que aponta para um esforço de consolidação orçamental mais forte até 2021. No entanto, mais uma vez, os números do Governo não batem certo com os da Comissão.

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LUSA/OLIVIER HOSLET

É mais uma tentativa de Portugal de se apresentar como o bom aluno da zona euro. Entre os 18 programas de estabilidade entregues em Bruxelas pelos governos da zona euro (apenas o grego não apresentou o documento por ainda se encontrar sujeito a um programa de ajustamento), o português é aquele que aponta para um esforço de consolidação orçamental mais ambicioso durante os próximos anos, com as maiores correcções em indicadores como o saldo orçamental estrutural ou a dívida pública.

Os programas de estabilidade - entregues pelas diferentes capitais à Comissão Europeia até ao final do passado mês de Abril - apresentam a estratégia orçamental delineada por cada um dos governos para os próximos anos (no caso de Portugal até 2022, mas na maior parte dos países apenas até 2021). E aquilo que é possível verificar, ao consultar os documentos referentes aos países da zona euro, é que a estratégia apresentada por Mário Centeno, e que foi discutida na Assembleia da República, é aquela que apresenta metas mais ambiciosas nos indicadores que são utilizados por Bruxelas para medir o esforço de consolidação orçamental que um país está disposto a fazer.

Para o saldo estrutural, o ministro das Finanças decidiu apontar para uma melhoria entre 2017 e 2021 de 1,6 pontos percentuais, de longe o valor mais alto entre os países da zona euro. O segundo país com um valor mais elevado é a Itália, com 1,2 pontos, sendo que no caso deste país, tendo em conta a impossibilidade de formar um governo após as eleições, este documento apenas faz uma extrapolação das tendências. Em terceiro lugar, aparecem em simultâneo a França e a Espanha, com melhorias planeadas de um ponto percentual, enquanto sete países apontam para uma deterioração deste indicador.

O saldo estrutural é o indicador que, ao contrário do saldo orçamental nominal, retira o efeito da conjuntura económica e das medidas de carácter temporário. Isto é, na actual conjuntura económica, enquanto a evolução do défice nominal pode ser beneficiada por um forte crescimento da economia, o défice estrutural apenas melhora se o Governo adoptar uma política de consolidação que vá além do aproveitamento dos bons tempos económicos.

Se o saldo estrutural regista uma deterioração, isso significa em teoria que nesse país se está a aplicar uma política orçamental expansionista. Se o saldo estrutural melhora, a política é considerada contraccionista. De acordo com os números dos programas de estabilidade, o Governo português é aquele que planeia, dentro da zona euro, mais restricções na sua política orçamental.

Isto é verdade não só para o período até 2021, como também já neste ano. Em 2018, a melhoria do saldo estrutural pretendida pelo Governo é de 0,4 pontos, a mais alta na zona euro. Uma meta que fica colada à melhoria anual de 0,5 pontos percentuais exigida pelas regras europeias (enquanto um país não atinge o seu objectivo de médio prazo) e que é muito mais ambiciosa do que a melhoria de apenas 0,1 pontos antecipada por dois países que, tal como Portugal, tem estado sob vigilância apertada de Bruxelas: a Espanha e a França.

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Quando o Governo foi criticado pelos partidos à sua esquerda por estar a querer ir longe de mais nos objectivos de consolidação orçamental, Mário Centeno disse por um lado que era essencial preparar o país para futuras crises, lembrando o ainda muito elevado nível da dívida. E acrescentou que a melhoria dos saldos orçamentais ocorriam em larga medida por causa das poupanças com o pagamento de juros que o Estado estava a conseguir ter.

Olhando para os programas de estabilidade, confirma-se que Portugal é o país da zona euro que projecta reduzir mais fortemente a sua factura com juros, num valor equivalente a 0,8% do PIB entre 2017 e 2021, o que ajuda a melhorar o saldo estrutural. Ainda assim, mesmo retirando a despesa com juros da equação, Portugal continua a ser o país com maior esforço de contenção. O Governo projecta que o saldo estrutural primário (que não conta com os juros) melhore 0,8 pontos percentuais, um valor apenas superados pelos 0,9 pontos antecipados no programa de estabilidade italiano.

Há vários outros indicadores em que Portugal se destaca pela contenção antecipa para o período entre 2017 e 2021. A melhoria de 2,3 pontos percentuais no saldo orçamental nominal (de um défice de 0,9% para um excedente de 1,4%) é a terceira mais forte da zona euro, apenas superada pela França e Itália.

A redução de 0,8 pontos percentuais do peso da despesa com pessoal no PIB é a terceira maior na zona euro, ficando abaixo dos 0,9 pontos da Letónia e da Eslovénia. Do lado da receita, a redução da carga fiscal planeada de 0,1 pontos percentuais é a sexta mais modesta entre os países da zona euro. E a redução da dívida pública, projectada em 18,4 pontos percentuais, é a maior, não só entre os planos feitos agora pelos governos da zona euro para os próximos anos, como entre todos os períodos de quatro anos registados desde pelo menos 1995.

Bruxelas duvida

Claro que, entre delinear um plano de forte consolidação orçamental e concretizá-lo na prática há uma grande diferença. E isso é particularmente verdade quando se trata de um indicador como o saldo estrutural que tantas discussões tem provocado devido à falta de fiabilidade do seu cálculo, que é baseado num indicador não observável: o produto potencial.

Esta quinta-feira, a Comissão Europeia, repetindo algo que tem vindo a acontecer consecutivamente nos últimos anos, apresentou, para este ano e o próximo, estimativas para a evolução do saldo estrutural português que são bastante diferentes das projectadas pelo Governo. Em vez de uma redução de 0,4 pontos este ano e de 0,6 pontos em 2019, Bruxelas diz que o saldo estrutural português vai ficar inalterado durante estes dois anos.

Esta diferença de cálculos é um sinal para as futuras avaliações da Comissão às finanças públicas portuguesas e ao risco de incumprimento das regras orçamentais europeias por parte do país. Ainda assim, Portugal é, em conjunto com a França e a Itália, um dos poucos países que a Comissão não vê com uma política orçamental expansionista este ano. Para o total da zona euro, Bruxelas prevê uma deterioração do saldo estrutural de 0,2 pontos.

Talvez por isso, as diferenças nas previsões, não impediram que, na conferência de imprensa de apresentação do relatório, Pierre Moscovici deixasse fortes elogios aos resultados económicos e orçamentais registados por Portugal. O comissário europeu para os assuntos económicos e financeiros afirmou que a abordagem seguida por Bruxelas relativamente a Portugal "foi muito cuidadosa", assinalando que, no que diz respeito ao equilíbrio orçamental, "as conclusões são muito positivas" e que as previsões são "muito similares" às do Governo.

O tom elogioso acentuou-se ainda mais, quando questionado sobre o eventual impacto de medidas eleitoralistas nas projecções económicas deste ano e do próximo. “Portugal teve uma performance robusta, que os eleitores devem avaliar e decidir se querem ou não que essa política seja prosseguida. Mas em todo o caso, ela obteve resultados que, seja qual for o Governo, não devem ser postos em causa”, considerou Moscovici.

Na Previsões de Primavera agora apresentadas, o executivo europeu reviu em ligeira alta as suas previsões de crescimento para a economia portuguesa, colocando o país, durante este ano e o próximo, a crescer ao mesmo ritmo da média europeia, com variações do PIB de 2,3% em 2018 seguidas por um abrandamento para 2% em 2019. Portugal, que em 2017 cresceu mais do que a média da UE e da zona euro, passaria agora a registar um ritmo idêntico ao dos seus parceiros.

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