Eurodeputados portugueses consideram "inaceitáveis" cortes na coesão e agricultura

Proposta da Comissão para o próximo quadro financeiro plurianual terá de sofrer alterações significativas para ser aprovada. Se Portugal não garantir o mesmo envelope financeiro, deve vetar o documento, defendem parlamentares em Bruxelas.

Tal como o Governo, os eurodeputados portugueses não aceitam os cortes previstos para as políticas de Coesão e Agricola Comum na proposta apresentada pela Comissão Europeia para o próximo quadro financeiro plurianual (QFP) 2021/2027, que agora vai começar a ser negociada com o Parlamento Europeu e o Conselho, num processo político que se adivinha difícil e prolongado mas se espera seja fechado muito antes das próximas eleições europeias, em Maio de 2019.

Como está, o documento não merece a aprovação dos eurodeputados socialistas portugueses, que consideram que a proposta é “insuficiente quantitativamente e desequilibrada qualitativamente” e “reflecte um quadro de gestão e não um quadro de ambição”. No plano falta, entre outras coisas, “uma visão robusta para completar a União Económica e Monetária”.

Mas sobretudo, falta uma solução que permita a aproximação das regiões mais pobres às mais ricas, e uma aposta no desenvolvimento das economias mais frágeis. “Não é aceitável que, perante uma União Europeia em que as assimetrias de desenvolvimento têm vindo a aumentar, as políticas de coesão e convergência, em vez de serem reforçadas, sejam amputadas na afectação financeira”, lê-se uma posição conjunta subscrita pelos eleitos do PS ao Parlamento Europeu.

O projecto da Comissão para o próximo quadro comunitário prevê uma redução na ordem dos 7% dos montantes atribuídos aos vários fundos que compõem a chamada Política de Coesão, que actualmente absorve um terço das verbas do orçamento da UE. Além disso, a Comissão também tenciona reduzir o orçamento da Política Agrícola Comum, com os pagamentos directos aos produtores a caírem 4% e os apoios ao desenvolvimento rural a serem reduzidos em 5%.

Para José Manuel Fernandes, do PSD — o único eurodeputado português com assento no grupo de contacto do quadro financeiro plurianual — nas negociações inter-institucionais, “tem que se mudar o montante dos envelopes financeiros da política de coesão e da PAC, que têm de ser mantidos no valor actual, pelo menos”, diz. “Vai ser uma negociação longa, mas da nossa parte já dissemos que a coesão territorial é essencial e que o elemento de solidariedade interna não se pode perder no próximo quadro financeiro”, afirmou ao PÚBLICO.

Na proposta da Comissão, Fernandes encontra uma tentativa, “que não deixa de ser positiva”, de responder aos novos desafios da UE. O problema é que “é em detrimento de políticas essenciais”. “Não se pode querer apostar na competitividade e esquecer o aspecto da convergência”, sublinha o social democrata, que acredita que os Estados membros ainda vão corrigir o tiro. “Se o Conselho agarrasse na proposta da Comissão e lhe acrescentasse os envelopes da PAC e da coesão fechávamos já negócio”, disse.

Mas se isso não acontecer, José Manuel Fernandes não tem dúvidas que Portugal deve travar a aprovação do QFP. “Se os interesses nacionais não estiverem acautelados, Portugal deve vetar o documento no Conselho”, defende.

O eurodeputado do CDS, Nuno Melo, concorda que a proposta da Comissão “não se enquadra nas perspectivas de Portugal”, que colocou como questão prioritária a manutenção do envelope financeiro das políticas estruturais, e que António Costa tem agora a obrigação de se bater dentro do Conselho Europeu pela revisão destes cortes orçamentais.

Porém, Melo não apostaria muito no sucesso do primeiro-ministro: “Uma das constatações, perante o que foi anunciado pela Comissão, é que a voz de António Costa na Europa não é tão forte como se pretende fazer crer.” Prova disso, nota, é que esforço financeiro pedido aos Estados membros por Bruxelas ficou muito aquém do aumento sugerido pelo governante português. Em vez dos 1,2% do Rendimento Nacional Bruto que Costa estava disponível para transferir para Bruxelas, a Comissão fixou as contribuições nacionais nuns modestos 1,114%.

Como lembra o eurodeputado comunista João Ferreira, na negociação do actual quadro financeiro, o valor aprovado para as contribuições nacionais acabou por ficar abaixo da proposta inicial da Comissão, pelo que não exclui a hipótese do valor agora pedido ainda poder ser revisto em baixa — como é, de resto, desejo de um grupo de países do Norte, liderado pela Holanda, que defendem uma redução do montante global do orçamento da UE após o “Brexit”.

“Estamos perante valores que, globalmente considerados, pela sua exiguidade, inviabilizam qualquer perspectiva de promoção da coesão económica e social”, critica João Ferreira. Numa análise ao arranjo orçamental proposto pelo Berlaymont, o eurodeputado vê “menos recursos para a coesão e para investimento nos Estados membros de acordo com as suas necessidades e prioridades”, e “mais recursos para o complexo industrial-militar, as multinacionais das principais potências que absorvem o grosso das verbas dirigidas à investigação e desenvolvimento”, bem como “mais recursos para as políticas de controlo e repressão dos migrantes”.

Já Nuno Melo diz que os montantes avançados pela UE com o aumento das transferências nacionais provam a “absoluta desnecessidade de impostos ou taxas europeias universais, que não têm em consideração as circunstâncias nacionais e podem abrir um precedente perigoso”.

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