O que fazemos com o tempo que nos é dado?

Conduz o teu caminho à tua própria maneira, mas não te julgues eterno, imparável. Serás pó tão insignificante quanto todos aqueles que te precederam. Mesmo assim, não percas tempo. Queres fazer? Faz. Queres ser? Sê

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Num domingo chuvoso, um homem despede-se do filho envergando uma batina hospitalar. Não sabe se é um adeus ou um até já. Em surdina embargada, que não soube escapar-me dos ouvidos, disse ao garoto, que não tinha mais de dez anos: "cuida bem da tua mãe e da tua irmã, isto pode não correr bem". Era na ala de cuidados intensivos de Cardiologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, que aquele homem beijava e abraçava a sua família, consciente de que poderia ser castrado de mais tempo com a mulher e os dois filhos. Correndo mal uma operação ao coração, esvai-se o último suspiro e há luto numa família órfã.

É aqui, neste momento dramático e irreversível, que um homem alcança a evidência de que o tempo é o único recurso que não se recupera. Havendo tempo, arranja-se tudo o resto, até mesmo dinheiro. Houvesse dinheiro, e comprar-se-ia, acima de tudo, tempo: para mais um afago, mais um sorriso, mais uma conversa, mais uma partilha. As lágrimas daquele homem bradavam-no: o que não faria eu por um minuto extra com os meus mais próximos. Revi-me no desespero deste indivíduo quando me preparava para visitar um avô com o qual poderei não passar muito mais tempo (lembram-se do Ti Acácio?, foi operado e correu bem, mas a gente nunca sabe como evoluem estas coisas).

O tempo é o recurso valioso do qual fazemos pior uso. Somos terroristas quando acreditamos que há-de haver sempre um amanhã, um daqui a bocado. Procrastinamos, munidos de uma tamanha falta de respeito para com a nossa existência quando, na realidade, devemos sorver todas as experiências com uma violência pornográfica, apreciá-las e trabalhá-las de maneira a que não sejam, nunca!, as últimas. Com tino mas sem medida.

É por isto que o "não" deve ser oração sobrestimada nas nossas vidas. Um constante não a tudo o que nos faça perder tempo. É preciso desnatar a vida de tudo o que é excedentário, a tudo o que não nos permita ser melhores seres humanos. Os segundos são irrepetíveis: o momento em que acabo de escrever esta palavra (pa-la-vra) não mais voltará. Eis uma banalidade que continua a dar jeito em épocas de maior desorientação e, acima de tudo, de velocidades vertiginosas a que continuamos a conduzir a nossa presença neste planeta. O tempo é demasiado valioso para não sermos francos e honestos uns com os outros.

Por muito que o queiramos negar, está mais que visto que o fim pode estar aí à porta. Daí a excelsa importância da máxima "memento mori", lembra-te de que vais morrer. Conduz o teu caminho à tua própria maneira, mas não te julgues eterno, imparável. Serás pó tão insignificante quanto todos aqueles que te precederam. Mesmo assim, não percas tempo. Queres fazer? Faz. Queres ser? Sê. Implode prédios que te impeçam de perscrutar horizontes, sem desperdícios de minutos. O teu objectivo máximo deve ser sempre este: deitares-te no teu leito de morte e sorrir, aliviado e consciente de que tiveste uma vida rica, não apenas pelas vitórias, mas pelos gloriosos falhanços que te tornaram humano.

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