De Paris com o coração apertado

Acho bem que numa rede social todos tenham um rosto com as mesmas cores. Nunca nos devemos envergonhar da solidariedade e só unidos podemos mostrar a força

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Marco Gil

Sexta-feira, 13 de Novembro, 22h05:

"- Estou Antony, como estás? Estamos todos preocupados contigo..."

"- Estou um bocado assustado, estou no bairro do Bataclan, a uns 300 metros do local do atentado."

O telemóvel estava em alta voz e fizemos todos um ar assustado...

"- Então sai daí para fora, vai para casa..." (Dizíamos todos.)

"- Não posso, estou trancado dentro de um bar e não nos deixam sair, estamos bloqueados. Eu estava à porta do bar com uns amigos e de repente caem em cima de nós polícias com metralhadoras — não são armas pequenas, eram metralhadoras — e apontaram-nos as armas e mandaram-nos entrar no bar. Vinha uma homem com a cara cheia de sangue com eles e outras pessoas feridas..."

"- Pronto, o que interessa é que estejas bem, quando chegares a casa, liga-nos."

Horas depois...

"- Já estás em casa?"

"- Sim, mas nem imaginam o que vi. Sinto-me num filme. Não havia táxis, metro ou autocarros e então tive que vir a pé. Só há polícias e tropas na rua e passei por macas com pessoas mortas ou feridas. Só se ouvem sirenes."

O Antony é um dos nossos melhores amigos, foi ele quem nos apresentou a Paris há uns meses e ele é practicamente do nosso sangue. Já o conhecemos bem e pela primeira vez sentimo-lo com medo. Sentimos-lhe susto nas palavras, percebemos-lhe fragilidade, como nunca antes. Foi com ele que falámos depois de percebermos a dimensão do que se passava. E foi também com ele que tirámos esta fotografia há uns meses. Na altura eu quis que fosse simbólica: unir o maior símbolo de França aos corações, à paz e ao amor. E nunca esta fotografia fez tanto sentido.

A nação francesa está ferida, o mundo está triste, as famílias das vítimas estão de luto. Existe à volta de tudo isto um sentimento de pânico ou susto, mesmo que possamos sempre dizer a típica frase: "Ah somos tão pequeninos que connosco nunca se vêm meter...". Mas já o fazem quando geram violência, quando abalam o mundo, quando assustam parte dos nossos, quando percebemos que conseguem cometer atrocidades em locais tão bem protegidos, quando nos fazem sentir desprotegidos.

É natural que nesta situação queiramos saber quem são os culpados, quem faz isto. Não se deve generalizar, mas também não devemos ser apenas moralistas. É grave demais para julgamentos morais. São grupos extremistas e são apenas aglomerações isoladas de radicais. Existem realmente os inocentes, os mesmo inocentes que por diversas formas os fazem ser culpados, mas ninguém os faz ser mais culpados que esses próprios extremistas, são eles quem nos obrigam a generalizar e colocar tudo no mesmo "saco". São os corações feridos das pessoas, é o luto das famílias, é esse sentimento de falta de segurança que os grupos isolados nos passam que nos obrigam a generalizar.

Seremos nós os culpados? Não, os culpados são os que a eles pertencem, seja em religião ou raça, ou cor e costumes. São os radicais que castigam os inocentes. Mas acho que as pessoas se preocupam tanto em defender os inocentes que vivem no meio dos terroristas que se esquecem do essencial: das pessoas que morreram, das famílias das pessoas que morreram, das famílias que morreram ali, dos polícias que sacrificaram a vida, dos bombeiros ou socorristas que tiraram horas à cama para dar o corpo pelas vidas, dos donos dos bares e restaurantes, da pessoa que vai a passar e que vai viver com o trauma a vida toda.

Estes deviam ser o nosso foco, a nossa preocupação, fonte de energia ou oração, tema de conversa e importância. É triste quando queremos ser falsos moralistas e nos viramos para as "vítimas" dos inocentes ou "inocentes " que possam ser crucificados pelos actos de pessoas que pertencem ao seu povo e remetemos para segundos plano as verdadeiras VÍTIMAS. E é desse mundo que me envergonho, de um mundo que é severamente atacado e não se preocupa com o "Antony ", a "Marie" ou o "Manuel António", para quem as vidas terminaram ali, mas vive focalizado em defender o "Muhammed", o "Khan" ou o "Tumani", porque existe a possibilidade de que sejam injustiçados por actos que não cometeram.

E a justiça da vida? E que justiça tem o "Patrick" que só assistia a um concerto, numa sexta-feira normal, para depois ir para casa ter com a mulher e os dois filhos de 6 anos...

Conheci Paris e ela entrou-me no coração fugazmente, mas ficou. É com dor na alma que vejo uma cidade assim viver de rosto tapado e de coração apertado. Mas pior que isso são as famílias que se perderam na sexta-feira, as vidas por fazer ou as histórias por contar. Acho bem que numa rede social todos tenham um rosto com as mesmas cores porque nunca nos devemos envergonhar da solidariedade e só unidos podemos mostrar a força que os ataques nos levam aos poucos. De Paris com esperança e tristeza...

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