O bicho solitário

O novo paradigma da conectividade, onde estamos sempre ligados a toda a hora e em todo o lado não será antes sinal de um vazio existencial mais profundo?

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O animal de estimação de muitas pessoas é a solidão. Nas cidades que construímos para nos juntar mas onde vivemos mais separados e desligados do que nunca. Onde as nossas alegrias e tristezas são vividas em privado, numa caixa feita de quatro paredes e um tecto, muitas vezes na companhia de um ecrã, onde habitam pequenos seres que não param de falar mas não nos conseguem ouvir. O bicho solitário está lá, a um canto, a olhar fixamente para nós.

Existem duas formas de solidão, a que serve para nos encontrarmos e a que nos isola do mundo. São parecidas mas muito diferentes. A primeira, temos de a procurar, exige a nossa dedicação e disciplina e em troca oferece um sentido, um significado à nossa vida. A segunda é um parasita que nos apanha muitas vezes de surpresa e teima em não nos deixar. Suga-nos a energia e a vontade de sair de casa, de estarmos entre os nossos pares. Consome lentamente o seu hospedeiro por dentro mas mesmo assim agarramo-nos a ele como uma criança que abraça o seu peluche preferido.

O novo paradigma da conectividade, onde estamos sempre ligados a toda a hora e em todo o lado não será antes sinal de um vazio existencial mais profundo? Não terá o bicho da solidão encontrado um lugar privilegiado nas nossas vidas, escondido em plena vista? Será por isso que as nossas vidas virtuais são tão perfeitas e a outra, a verdadeira, tão cheia de inconsistências, dúvidas e erro? Será por isso que passamos a vida a olhar para ecrãns?

Ter-se-á o nosso mundo imperfeito, por vezes aborrecido, por vezes triste, por vezes feio, quase sempre imprevisível, demasiado para aguentarmos um olhar prolongado?

Não creio que este estado de coisas seja um fatalismo. A tecnologia também pode ser inclusiva se bem utilizada, as cidades cheias de vida e dinamismo se bem planeadas e administradas, e as redes sociais virtuais um complemento saudável às reais, não-binárias. Mas os avanços tecnológicos são uma passadeira na velocidade máxima, a avançar tão depressa que mal dá tempo para encontrarmos o nosso ritmo.

O antídoto para esta infestação dos tempos modernos está em mais humanidade, não menos. Menos individualismo e competição, mais comunidade e cooperação. Mais empatia e sensibilidade. Se calhar ousar parar de vez em quando e tentar perceber para onde estamos a ir com tanta pressa. E o que estamos a deixar para trás.

Não devemos abandonar os nossos animais, afinal, são parte da família. Mas este bicho que se alimenta da solidão e que tem encontrado solo fértil na nossa sociedade do individualismo a todo o custo, onde o brilho dos ecrãs encanta mais que o brilho dos olhos, deve ser descartado em troca de algo que nos preencha, e que não nos deixe mais vazios e desligados do próximo.

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