“Gostava muito de terminar o projecto onde me meti”

Carlos Amado da Silva diz que precisa apenas de mais dois anos "para deixar tudo limpo", mas admite que os maus resultados colocam em causa a manutenção de alguns apoios institucionais

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Pedro Maia

Na liderança da Federação Portuguesa de Rugby desde 2010, Carlos Amado da Silva vai recandidatar-se a um último mandato nas eleições que terão lugar a 3 de Novembro. O presidente da federação compreende a contestação que tem sofrido, mas considera que não é correcto olharem apenas para “os resultados desportivos dos seniores”. Sobre o futuro do râguebi português, Amado da Silva diz que é preciso união num período onde a modalidade atravessa um “momento crítico” e alerta que a World Rugby ameaça retirar grande parte dos apoios a Portugal.

 

Que balanço faz dos quase seis anos que leva como presidente da FPR?

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Tem que ser positivo. Há uma tendência para as pessoas verem apenas os resultados desportivos dos seniores e isso não me parece correcto. Tem que ser visto o conjunto do que foi feito e começar pela base, que é o que sustenta uma federação: a parte financeira e administrativa. Nesse contexto correu tudo francamente bem, depois do que apanhamos. Quando chegamos encontramos um défice brutal. Pensávamos que existiam dívidas de 600 mil euros e eram superiores a um milhão. Isso tornou tudo complicado e uma situação de quase ingovernabilidade. Na parte desportiva, quando esta direcção chegou, os sub-18 ganhavam tudo e davam 140-0 ao Luxemburgo e à Suíça porque estavam no grupo C do Europeu. Agora estamos no grupo de Elite a jogar com as selecções das Seis Nações e ganhamos à Escócia. Nos sub-19, também estamos no grupo C e agora já fomos duas vezes ao Trophy. Nas raparigas estamos onde nunca estivemos. Nos homens, que é o que mais se fala, desafio a verem os resultados desde 2005. O que ganhamos? A quem ganhamos? Infelizmente, a situação não é diferente da que é agora. Nos sevens, estamos onde nunca estivemos: ficamos apurados para o Circuito Mundial por mérito e nunca mais saímos. O calcanhar de Aquiles desta direcção foi o comportamento no Europeu, mas demos as condições ao staff técnico como nunca foram dadas em Portugal. É ainda importante dizer que organizamos mais provas internacionais nestes quatro anos do que desde que existe a federação. Isso não significa nada?

 

O que tem sido feito para desenvolver e promover o râguebi a nível interno?

Esta direcção apoiou os clubes fora de Lisboa como ninguém o fez. Eu tenho a consciência que o râguebi não pode existir apenas em Lisboa e dei sempre prioridade ao desenvolvimento do râguebi regional. Não percebo, por exemplo, como é que no Norte há apenas meia dúzia de equipas. Não faz sentido. Vamos continuar a apoiar, principalmente através das selecções regionais.

 

Essas selecções regionais não existem…

Comigo já houve, agora não há porque não existe interesse das regiões e dos clubes, e pela falta de verbas. Nesta época já teremos selecções regionais nos mesmos escalões em que existem campeonatos nacionais. Mas é difícil fazer uma selecção numa região onde há apenas quatro ou cinco clubes.

 

Apesar do balanço positivo que faz, nos últimos meses tem sido alvo de contestação e muitas críticas. São injustas?

Não acho que sejam assim tantas, mas com resultados como aqueles que tivemos, as pessoas têm que contestar. Eu também fiquei doente com o que aconteceu, mas a direcção deu todas as condições para que isso não acontecesse.

 

Considera que o planeamento para o apuramento Olímpico foi bem feito? Os erros foram apenas dos treinadores?

A responsabilidade é sempre minha, mas deleguei no Tomaz Morais, em quem confio, essa planificação. Foi ele que a apresentou. Eu sou responsável porque fui eu que o escolhi. A mim, como presidente da federação, competia criar todas as condições para que competissem. E eu criei-as. Não lhes faltou nada.

 

O José Lima e Pedro Bettencourt, por exemplo, foram utilizados na parte final do Circuito Mundial e depois não estiveram disponíveis no torneio pré-olímpico…

Eu não selecciono os jogadores…

 

Foi por imposição dos clubes franceses? Estavam disponíveis para jogar?

Disseram que sim, que estavam. O Pedro, como tinha a possibilidade de integrar o grupo dos profissionais do Clermont, não terá vindo por opção dele. O que eu até compreendo. Mas eu nunca fiz contactos com eles e não convoco jogadores. Mas não estou a fugir às responsabilidades e é por isso que serei julgado agora nas eleições.

 

Em relação ao XV, nos últimos cinco a selecção nacional teve cinco treinadores e perdeu 10 posições no ranking da World Rugby…

O lugar em que estamos não é compatível com o nosso valor, nem corresponde ao que fizemos. Decorre de um jogo no Quénia que contou para o ranking e que, se calhar, não devia ter contado. Vamos ter agora um torneio em Hong Kong e se o ganharmos, retomaremos o nosso lugar. Mas em 2007 ou 2009, selecções como a Rússia eram amadoras e agora são profissionais. Evoluíram muito. A equipa espanhola joga toda em França e a Alemanha para lá caminha. Isso quer dizer que nós paramos? Não, mas progredimos pouco em relação aos outros que progrediram muito. Houve pouca renovação e estamos a pagar por isso agora. Nós não temos possibilidades de fazer uma equipa competitiva se não contarmos com o apoio dos jogadores portugueses que jogam fora e isso esbarra sempre na forma como os clubes deles não dão cumprimento a uma lei que devia ser cumprida. Podíamos impor, mas isso implicava represálias sobre os jogadores.

 

A Espanha consegue ter esses jogadores disponíveis…

Pelo que me dizem, a Espanha paga aos clubes. Nós não temos essa capacidade financeira.

 

Como é que vai resolver o problema?

Tem que haver mais competição internacional e melhor nacional, que não é boa. Os clubes têm que perceber onde podem ajudar a federação. Atravessamos um momento crítico e tem que haver uma consciência colectiva. A World Rugby questiona-me neste momento pelos substanciais apoios que nos estão a dar. Dizem-me que não estamos a ter resultados e que a Espanha e a Alemanha estão a passar-nos, pelo que não há razão para nos continuarem a apoiar. Temos que perceber esta realidade. Não basta que os clubes melhorem. A selecção também tem que melhorar. Tem que haver um esforço grande para fazer um projecto único. Eu não posso impor um modelo competitivo se não tiver o apoio dos clubes.

 

Arrepende-se de ter feito em Maio o jogo no Quénia?

Eu questionei se era oportuno e se valia ou não a pena. Se tivesse que decidir hoje, se calhar não o teria feito. Face aos dados que tinha, achei que seria importante para os miúdos se afirmarem. Depois não correu bem.

 

É verdade que mais de 20 jogadores se mostraram indisponíveis para fazer esse jogo?

Não tenho conhecimento disso. Não selecciono jogadores. Os que foram tinham, individualmente, capacidade para fazer bem melhor. Aprendemos com isso.

 

Em Novembro, Portugal vai levar a melhor equipa ao Torneio de Hong Kong?

Vamos com a melhor equipa possível. Com os jogadores que estiverem disponíveis. O treinador [Olivier Baragnon] perguntou-me se era mais importante Hong Kong ou o Europeu, porque os presidentes dos clubes franceses libertarão para uma coisa ou para outra.

 

E a nível nacional? Também vai haver cedências aos clubes?

Será um torneio extremamente importante para toda a gente. Para os clubes também. A falta de apoios é um problema comum. Mas os clubes são livres de tomar as posições que bem entenderem. Não podemos impedir os clubes de não ceder os jogadores.

 

O Centro de Alto Rendimento (CAR) no Jamor é a grande obra do seu mandato?

Essa era uma obra que já estava prometida desde 2007. Tenho muito orgulho em ter participado nesse projecto, que teve custos marginais para a federação. Ainda não está como queríamos, mas para lá caminha. Mas a minha grande obra é de conjunto: a parte financeira e a credibilidade da federação.

 

Em 2012, em entrevista ao PÚBLICO, afirmou que se Portugal falhasse o apuramento para o Mundial 2015 não se recandidatava. O que mudou?

Mudou tudo. Ninguém sabia que havia um buraco financeiro deste tamanho. Quando cheguei, não conhecia a situação. Gostava muito de terminar o projecto onde me meti, de terminar as obras no Jamor. Houve coisas que foi preciso mudar e ainda não estão todas mudadas. Gostava de terminar aquilo que comecei, mas não estou apegado a isto. Há responsabilidades que quem vier terá mais dificuldades em resolver. Eu só preciso de mais dois anos para deixar isto tudo limpo. Não sei o que vai acontecer agora face a esta turbulência que tem havido no râguebi e que tem reflexo junto dos patrocinadores. Somos poucos e temos a obrigação de estarmos juntos. Tem de haver unidade, sem a qual o râguebi nacional não vai para a frente. Nós corremos sérios riscos de ter dificuldades graves na selecção se não conseguirmos resultados no imediato e a médio prazo que convençam quem nos apoia a nível institucional.

 

Os patrocínios têm diminuído?

Estão a ser mais diversificados, mas têm diminuído em termos quantitativos. Esta não ida ao Mundial e aos Jogos Olímpicos prejudicou-nos muitíssimo.

 

Confirma que não há acordo com nenhuma marca de equipamentos desportivos para equipar as selecções nacionais?

Há para os sevens, para o XV não. Infelizmente é verdade. Estou aberto a propostas…

 

Se for reeleito, quais serão as suas prioridades?

Reforço da base de sustentação da federação regional. Isto é: mais jogadores, mais equipas; melhores jogadores, melhores equipas. Terá como base o grande investimento que iremos fazer nas cidades capitais de distrito, onde há mais gente. Daremos apoio com contratos-programa feitos com clubes e escolas, onde temos que investir o nosso potencial técnico. A outra prioridade é fazer uma alteração nos sistemas competitivos para tornar o râguebi mais atractivo e interessante.

 

Já tem a sua lista de recandidatura fechada?

Não, mas está praticamente fechada. Há clubes com quem ainda não falei e quero falar com todos. Gostaria desta vez de ser um gestor de um programa e não de fazer um programa. Um gestor comprometido com aquilo que um grupo alargadíssimo quisesse. Eu depois agiria com a competência que acho que tenho.

 

Até ao momento só tem um opositor conhecido. Considera o Francisco Martins um candidato forte?

Não. É uma pessoa séria, com qualidades e que trabalhou connosco alguns anos. Tem um estilo diferente do meu, tem os conhecimentos que tem. Se acha que tem capacidades e conhecimentos para ser presidente… Mas é legítimo que concorra.

 

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