A sorte dos encontrados

Tanta gente já dissertou sobre o amor e ainda ninguém lhe soube achar a cura — eis um mistério mais insondável que a existência de deus

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Ricardo Moraes/Reuters

Cada um de nós está, neste preciso momento, a travar, pelo menos, uma batalha. Dores de alma são as mais agudas e as menos dadas a soluções fáceis. Muitas destas dores nascem de desilusões, expectativas desalinhadas, desencontros nunca previstos. Os amores, os terríveis amores, representam uma larga fatia dessas monumentais e tão corriqueiras lutas de pancadaria com os outros ou connosco mesmos.

Em silêncio, vive uma estranha população no meio de nós: uma população que quer ser descoberta, por um semelhante seu. Que quer embriagar-se nas paixões de que trovam os livros, os filmes, os poetas. Uma parte desta população está perdida, sedenta por ser encontrada. E a outra parte meteu-se em explorações e já conhece o seu alvo da sua descoberta; está, porém, sem medo de tornar a investida numa conquista porque, na verdade, o território virgem não quer ser alcançado por nefastos invasores. A inquietação habita os espíritos destes que ainda não puderam ser encontrados.

A inquietação de querer, num vislumbre fortuito, esbarrar num oceano de emoções concentrado num só ser e atravessar-se, por fim, no caminho d'Aquela Pessoa. Mas também o desassossego de querer alinhar agulhas com Aquela (mesma) Pessoa, sentindo as dores de parto de um amor que não quer nascer, olhando o outro lado da ravina sabendo que é preciso dar um pulo sobre o temeroso abismo.

Não deixa de ser espantoso como o Homem está prestes a espetar com os pés em Marte, a encontrar prováveis soluções que nos libertem do cancro e a descobrir possíveis mundos extra-terrestres onde criar colónias e, em contra-pé, ainda não se sabe entender com questões do coração. Tanta gente já dissertou sobre o amor e ainda ninguém lhe soube achar a cura — eis um mistério mais insondável que a existência de deus. Quem nos dera encontrá-lo: o amor, claro está.

Sorte de que conhece o mundo onde vive, de quem palmilha o território com a facilidade de um nativo, de quem sabe o outro como a si mesmo, de quem partilha um nós que é mais que um eu e tu, de quem respira em paz um ar impoluto de ansiedades atabalhoadas e razões vazias de emoções incómodas. Um olhar atento a todos aqueles que nos rodeiam mostra-nos que são vocês, os encontrados, os mais sortudos. Apreciem-se, agradeçam-se. Do outro lado da barricada, os perdidos continuarão a esgravatar em busca da caverna mais acolhedora.

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