Noruega: novo eldorado da emigração não é só um conto de fadas

A jovem e qualificada comunidade portuguesa na Noruega é ainda pequena, mas tem crescido nos últimos anos. A crise do petróleo pode agora abrandar a tendência e diminuir as ofertas de emprego. Emigrar sem garantias não é aconselhável

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Rosan Harmens

João Pamplona vive num braço de ferro com Portugal. Depois de ver o mundo fora do rectângulo, morar demasiado tempo no “standard de ter de ser explorado” tornou-se impensável. Por oito anos, vestiu a pele de emigrante na Noruega. Regressou em 2011, a fugir dos Invernos rigorosos e com a ambição de fazer mais teatro — a sua área de formação, na qual tinha pouco trabalho. Mas a intermitência e a precariedade vão sufocando o sonho. Esta semana, vai aterrar novamente em Oslo para repor uma peça de teatro por 15 dias. Por lá, o mundo não é perfeito — mas “respira-se melhor”.

O país nórdico que conquistou o portuense de 37 anos tem atraído cada vez mais portugueses. Dados do Portuguese Emigration Fact Book 2014, publicado pelo Observatório da Emigração (OdM), mostram que, em 2013, a Noruega foi o terceiro país onde a emigração portuguesa mais cresceu (40%), só abaixo do Reino Unido (47,3%) e de Moçambique (44,7%) — 815 registaram entrada no país. No ano passado, a tendência abrandou, com 653 emigrações assinaladas pelo OdM. Não são estes os números que mais contribuem para a emigração desatada dos últimos anos e que se manteve no mesmo nível em 2014, ao assentar 110 mil saídas, valores só comparáveis com os dos anos 60 e 70. Mas, no total, a embaixada portuguesa em Oslo regista já 5345 portugueses a viverem no país — um número que pode pecar por defeito, já que o registo não é obrigatório. 

Por ser recente, o fenómeno da emigração para este país está ainda por estudar, admite o OdM. Até 2000, os números eram residuais (50 entradas) e só a partir de 2008 começaram a dar nas vistas, com o recrutamento de portugueses a ser feito muitas vezes nas próprias universidades, sobretudo nas áreas de engenharia. O interesse dos empregadores nórdicos resulta de uma “boa percepção” em relação à “qualificação técnica, capacidade de adaptação e domínio do inglês” dos portugueses, disse ao P3 a embaixadora de Portugal na Noruega, Clara Nunes dos Santos. E a língua portuguesa, acrescentou, pode também ser uma arma: “É a língua oficial de muitos países que, tal como a Noruega, produzem petróleo e gás, como é o caso do Brasil, Angola e Moçambique.”

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Nuno Cruz tornou-se guia turístico em Svalbard

A actual crise do sector petrolífero põe nesta história um ponto de interrogação: se o principal motor da economia norueguesa fracassar, como vai o emprego nesta e noutras áreas sofrer com isso? Para já, são ainda os prós do país escandinavo que mais tinta fazem correr. Clara Nunes dos Santos sintetiza o que terá despertado o interesse português dos últimos anos: “Possibilidade de emprego e um modelo exemplar de qualidade de vida, dos mais interessantes do mundo, em que o equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal apresentam vantagens únicas, sobretudo para os jovens que começam a construir família.”

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Margarida Paiva já não pensa em regressar e trabalha com apoios do Ministério da Cultura local

Margarida Paiva percebeu-o há muito tempo. Pisou pela primeira o país dos fiordes em 1999, teve um filho há cinco anos e já não se imagina a regressar a Portugal. Como ela, muitos portugueses têm constituído família por lá: nasceram 50 bebés em 2013, 62 no ano passado e 54 só no primeiro semestre deste ano. “O que mais aprecio aqui é a qualidade de vida. E isso não tem só a ver com a parte económica, mas com outras coisas como ter tempo livre e ser possível conciliar vida profissional com a família”, disse ao P3 numa conversa via Skype.

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João Pamplona esteve oito anos na Noruega e vive agora entre Portugal e a Escandinávia

A "saturação" do mercado

Não foi logo assim. A artista plástica demorou dois anos até conseguir um domínio da língua que lhe permitisse desenrascar-se no dia-a-dia e só depois de completar um mestrado numa universidade de Oslo as portas se abriram definitivamente — em 2008 começou mesmo a organizar um festival de curtas-metragens na cidade com o apoio do Ministério da Cultura. Para lá do idioma, imprescindível em vários trabalhos apesar de o inglês ser muito utilizado, a cultura díspar da portuguesa, os Invernos sem luz, a habitação e alimentação muito caras e um mercado de trabalho difícil de penetrar, estão no topo da lista das potenciais dificuldades. A realidade está longe de ser um conto de fadas — e partir sem o mínimo de garantias não é aconselhável, avisa a embaixada. Tanto o emprego mais qualificado como a restauração, onde muitos portugueses encontravam emprego, passam, neste momento, por um período de alguma “saturação” e a probabilidade de chegar à Noruega sem um contrato de trabalho e consegui-lo a “curto ou médio prazo” é muito baixa.

Nuno Cruz desafiou as “estatísticas”. Partiu sem emprego garantido, mas com algum estudo da língua e um amigo a quem recorrer. Foi com a namorada para apalpar terreno, com algumas reuniões marcadas, e um golpe de sorte aconteceu — tinha viagem de regresso a Portugal para uma sexta-feira e no dia seguinte estava a começar a trabalhar num restaurante japonês em Svalbard. Estávamos em Janeiro de 2013 e Nuno farto da “tristeza e amargura” que se sentiam no ar em Portugal. Era gerente num concessionário de automóveis em Lisboa — emprego fixo. Mas o sector estava já de rastos e o jovem, com um bacharelato em Marketing, pressentia o pior: “A crise era grande e sentia que estavam a ir-me ao bolso, com impostos e tudo o mais...”, lamenta.

No arquipélago onde há mais ursos do que pessoas (são 3 mil animais para 2 mil habitantes), o português deparou-se com um “nível de vida pornográfico”. Mas o trabalho que segurou no restaurante japonês por cerca de um ano era, ainda assim, “suficiente”. Depois veio o sonho. Quando conheceu Svalbard, numa viagem de lazer em 2008, Nuno Cruz tinha secretamente desejado tornar-se guia turístico na região, “como os putos que vêem os jogadores de futebol e os astronautas e querem ser aquilo”. E, já que estava lá, porque não tentar? “Fui saber quais as condições do curso na universidade e acabei a fazê-lo”, sorri. Para completar o orçamento — e porque esta é um profissão sazonal —, o lisboeta de 39 anos trabalha também num hotel.

Num ano no Ártico, há seis meses de luz constante e quatro de escuridão total — e as temperaturas facilmente chegam aos 40 graus... negativos. Talvez por isso, as tardes e serões quentes, junto ao Tejo, são uma lembrança de saudade. O trânsito e as lamentações nem tanto. “Portugal não me faltou com muito, mas não me revia naquilo. Era difícil ver os telejornais, resistir aos impostos, à crise, ao governo. Vestir o fato e gravata depois do que estou a viver aqui parece-me difícil. A médio prazo não regressarei. A longo não sei.”

Sentimento diferente tem Hugo Miguel Castro, alentejano a viver em Bergen há 20 anos — e há 20 anos a sofrer de saudades. Mudou-se para a segunda maior cidade norueguesa por vontade dos pais — ela portuguesa, ele norueguês — aos 14 anos. Não sabia a língua, sentia falta dos amigos e da aldeia perto de Elvas. Por duas vezes, ensaiaram o regresso. Por duas vezes, a Noruega revelou-se o plano mais seguro. “Foi muito difícil a adaptação, mas não tinha a ver com o país, que era simpático, tinha a ver com as saudades do sítio onde cresci”, recorda. Até 2009, ano em que a filha nasceu, não houve um dia em que não pensasse em regressar. Agora não. Sabe que tem de esperar: “Ela considera-se norueguesa, gosta de estar cá. Não lhe farei o mesmo que me fizeram a mim.”

Não foi para enganar a distância que, em 2012, Hugo se debruçou na criação de uma associação lusófona — mas, três anos depois, as actividades que por lá organizam são um cheirinho permanente de Portugal. Empurrados pelo desespero da crise, muitos chegavam à cidade sem saber ao que iam: “Víamos gente a chegar com uma ideia completamente falsa disto, com 50 euros no bolso. Não se sobrevive cá assim”, conta. Durante os primeiros tempos, a “Lusofonia Bergen” foi um ponto de apoio e aconselhamento para quem lá chegava ou tencionava chegar. Depois, à medida que decrescia a emigração desinformada, transformou-se num local de convívio. Há fado, o tradicional baile de Carnaval alentejano (baile da pinha), jantares de Natal, mas há também aulas de português para os mais novos e até um clube de futebol (Bergen Vest Sportsklubb). E são já 190 inscritos, o que recentemente lhes valeu uma visita do Presidente da República e a “medalha” de uma das associações de portugueses espalhadas pelo mundo mais dinâmicas.

Os dois países num só seria um ensaio de mundo perfeito para João Pamplona: o sol português e os salários noruegueses, a espontaneidade da Europa do Sul e a qualidade de vida do Norte. Nos anos em que viveu na Escandinávia, o actor não conseguiu vingar como gostava no teatro, mas foi auxiliar de educador de infância, um trabalho que lhe dava 1600 euros por mês e no qual aprendeu muito. É para esse universo que regressa quando “esgota a paciência” para os direitos nulos dos trabalhadores em Portugal. Depois da peça de teatro que vai repor em Oslo nas próximas semanas vai bater à porta do infantário novamente. Afinal, o bilhete de regresso está comprado — mas pode muito bem ser cancelado.

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