Maria Cruz, uma portuguesa na comunicação da ESA

Portugueses são uma comunidade jovem e pequena, mas fazem parte da elite mundial na investigação aeroespacial e constituem um dos nossos melhores "produtos" de exportação. Na sede holandesa da Agência Espacial Europeia, Maria Cruz faz a ponte entre ciência e escolas e cativa os mais novos para a Astronomia

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Maria Cruz é licenciada em Engenharia Física e doutorada na área da Astronomia Paulo Pimenta

Se o Espaço é uma área fascinante para tanta gente, porque não utilizá-lo “como forma de entusiasmar as crianças e os jovens para disciplinas que podem ser consideradas menos atraentes ou mais difíceis”? É este o desafio que Maria Cruz encara actualmente na Agência Espacial Europeia (ESA), em Leiden, na Holanda, onde tem como função fazer a “ponte” entre ciência e escolas. Porque sem comunicação de ciência, a ciência não chega onde pode.

Estávamos em 2008 quando a portuguesa passou o “cognome” de investigadora para segundo plano e vestiu a camisola de “comunicadora de ciência”. Como editora da prestigiada revista científica Science Magazine, percebeu definitivamente a importância da comunicação (e da diplomacia — já vamos a explicações) e sentiu-se num “curso de Astronomia permanente”. O trabalho de Maria Cruz passava por seleccionar artigos científicos para publicação. Por semana, analisava uma média de dez trabalhos e decidia se eram ou não enviados para revisão: "Cerca de 75% do que se recebe é rejeitado automaticamente", explicou ao P3 numa entrevista vai Skype. Quando os trabalhos são aceites, havia depois um trabalho de edição feito pela portuguesa em parceria com os autores. Objectivo: tornar a linguagem científica acessível a todos. 

 

Além da “formação contínua” nas mais diversas áreas da Astronomia e das Ciências do Espaço e de um trabalho que a irmã de Maria costumava comparar ao de um “olheiro de futebol” — o de ir a conferências para tentar antecipar tendências e perceber quem iam ser os nomes importantes do futuro —, o cargo implicava uma “parte sociológica”: “A maior parte do tempo tinha de dizer não às pessoas. Não é fácil. É uma diplomacia que é preciso ir adquirindo.”

A mudança para a Holanda, em Fevereiro deste ano, não foi substancial no que a funções diz respeito: “Quando saí da Science [Magazine] disse às pessoas que, no fundo, iria continuar a fazer o mesmo. Só que em vez de comunicar para a comunidade científica ia comunicar resultados para a comunidade de educação.” No departamento de Ciência e Exploração Robótica da ESA, Maria Cruz tem como função fomentar o interesse dos mais novos pela Ciência. “O meu foco são os alunos das escolas primárias, que aqui começam aos quatro anos, e das escolas secundárias”, explicou.

O trabalho passa sobretudo pela educação de professores, que “funcionam depois como disseminadores desse conhecimento”, um pouco por toda a Europa. “A ideia é mostrar-lhes como utilizar o espaço como contexto para ensinar Ciência, Matemática, Biologia, Química.” Exemplos: ao falarmos do combustível que os foguetões utilizam estamos a falar de Química, ao analisarmos a alimentação dos astronautas falamos de Saúde, ao pensar na comunicação entre Terra e Espaço falamos de Engenharia e Tecnologia. “O Espaço abrange tudo”, sublinha Maria Cruz.

A Astronomia apareceu-lhe no segundo ano do curso em Engenharia Física, pelos vinte anos, quando decidiu embarcar numa formação promovida pelo Museu da Ciência, em Lisboa. Mas a ideia de futuro ainda não passava exactamente por ali: “Era uma área que me interessava, mas estava longe de querer ser astrónoma.” Acabou a licenciatura com a Geofísica na cabeça, mas uma oportunidade de integrar um projecto relacionado com Astronomia em Berkeley, na Califórnia, foi “irresistível”.

Nove meses nos Estados Unidos chegaram para definir um rumo: “Percebi que o meu caminho poderia ser por ali, pela Astronomia e Educação.” Regressou a Portugal por seis meses e aventurou-se logo de seguida num doutoramento em Oxford, a estudar galáxias muito distantes. “A ideia era tentar descobrir as galáxias mais longínquas e perceber como evoluíam no tempo.”

A "forte e activa" comunidade portuguesa

Estudar Astronomia, salienta Maria Cruz, “é estudar Física e Matemática”. “Muitas vezes, as pessoas não percebem que podem estudar Astronomia e não ser astrónomas. O meu marido, por exemplo, é formado em Astronomia e trabalha em Física Médica.” Na área da educação e comunicação em Astronomia, “a comunidade portuguesa é muito activa e forte”. Uma aposta para o futuro? “Investir cada vez mais em bons gabinetes de imprensa”, responde. “Quando fui para a Science [Magazine] apercebi-me que as grandes empresas investiam muito nisso e percebiam que era fundamental. Há muitos cientistas que começam agora a fazer comunicação sozinhos, mas ainda assim acho que é sempre importante haver uma ponte.”

A condição de “emigrante” e a opção por fazer os estudos fora não significam um cartão vermelho a Portugal, apesar de no rectângulo as dificuldades serem muitas vezes acrescidas. “Inicialmente, quis sair pelo espírito de aventura. A maior parte dos professores que tinha na licenciatura tinha estudado fora. Não nos diziam que tínhamos de o fazer, mas a experiência deles inspirava nesse sentido.”

Com família constituída na Holanda, o regresso não se desenha para já. Mas a ligação à comunidade portuguesa poderá acentuar-se em breve: Maria está a tentar levar para Leiden um projecto, baseado no Reino Unido, chamado Native Scientist, que leva cientistas portugueses a escolas portuguesas do Reino Unido com o objectivo de apoiar o bilinguismo. “Estou muito interessada, também porque a minha filha vai ser bilingue. Ou trilingue. Muitas vezes, há a ideia de que um português emigrado deve aprender só a língua do sítio onde está. Acredito que devem apoiar-se as duas coisas. Isto alarga horizontes. E mostrar a estes miúdos que há portugueses de sucesso é um incentivo para eles.”

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