Refugiados somos nós!

Refugiados na sensação de inocência e desresponsabilização, quando fomos nós que elegemos e aplaudimos os que ajudaram a instalar o caos total e irreversível no Médio Oriente

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Eduard Korniyenko/Reuters

O verão está a terminar e com ele termina (segundo tristes relatos de alguma imprensa internacional) o "desagradável espetáculo" que poderá ter estragado muitas férias. Quem escolheu as praias do Mediterrâneo para umas semanas de sol e mar poder-se-á ter deparado com embarcações, pertences ou cadáveres de migrantes clandestinos a dar à costa. "São refugiados", explica-se sucessivamente, enquanto se bebe mais um copo de margarita, acompanhado de espetadas de fruta.

Do lado de dentro do bote, e na passagem por um iate ou por um qualquer hotel de praia, uma criança síria fará a mesma pergunta aos pais, a um tio ou a si própria, já que são muitas as que viajam sozinhas e tantas as que desaparecem, raptadas, já depois de serem registadas em solo europeu. A resposta poderia muito bem ser igual: "São refugiados".

E somos! Refugiados na nossa própria existência e num total alheamento face a problemas humanitários como este. Refugiados nos pequenos infortúnios que nos "devassam", sem sequer tentarmos imaginar o horror de quem é obrigado a partir com filhos pequenos, em condições imorais. Refugiados na sensação de inocência e desresponsabilização, quando fomos nós que elegemos e aplaudimos os que ajudaram a instalar o caos total e irreversível no Médio Oriente.

E refugiamo-nos nas "certezas absolutas" de que não podemos ajudar. De que a Europa não pode receber todos. De que o problema, em última instância, não é nosso, repetindo chavões dos movimentos xenófobos que ganham espaço e margem de ação. Mais: ganham votos.

Somos refugiados! Nós e toda a Europa, que num momento central como este não consegue sequer uma posição de União, remetendo para cada país, para cada umbigo, a sua própria solução. Uma Europa que apenas sabe governar em crescimento e que treme em mares revoltos. Assim foi com a Grécia. Assim está a ser com os migrantes do Mediterrâneo. Assim será quando a extrema-direita chegar ao poder. Quem sabe nessa altura países com a dimensão e dependência de Portugal perceberão melhor o sofrimento de quem fica à porta.

O problema está longe de estar resolvido. E enquanto o muro da Hungria vai crescendo, num investimento que daria para a gestão de um grande centro de refugiados durante 10 anos, cada um de nós deve assumir o que pensa sobre o assunto. Interiorizar o seu caminho, sem se desresponsabilizar das consequências futuras. E fazê-lo ouvir. Mas deve decidir rápido: neste momento há crianças a morrer no mar, há filhos que perdem os pais, há famílias inteiras fechadas, sem ar, em camiões clandestinos na beira da estrada.

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