O Verão no hospital

“Desta já te safaste.“, pensou, enquanto saía do hospital pelo próprio pé mais um gesso de recordação pela mão

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Agradeceu aos bombeiros, voluntários por opção, voluntários por natureza, o pronto socorro. Isso e os ensinamentos de enfermagem. A queda, rápida, poderia ter sido suficientemente eficiente para condenar o resto da vida a duas rodas e uma cadeira. Mas não. Uma vez no solo, e após cair das escadas abaixo, e de costas, do alto de um muro de três metros, o pensamento era só um: “Se te mexes, estás lixado. Agora, meu caro, só com um raio-x à coluna, e até lá quietinho.“ E até lá a paciência.

Agradeceu aos bombeiros, quatro no total entre duas ambulâncias, um corpo só a mobilizar-lhe o corpo de encontro ao plano duro onde todo o género de fitas, colares cervicais e esponjas o imobilizaram (para a a vida?) a caminho do hospital.

Os vizinhos, à porta, num misto de preocupação e espanto diante de tal preparo mais o corpo enfaixado a subir para a ambulância, foram peremptórios no julgamento: “Eu logo vi, é que este ano ele veio mais gordo!“ Mais forte, meus caros, mais forte, e se a barriga é de cerveja, os abdominais são diários, e os acidentes acontecem...

Agradeceu ao médico das urgências do Garcia de Orta, estrangeiro de nome e sotaque, o qual foi recebê-lo em pessoa e à porta, para de imediato realizar todo o género de testes e palpações à coluna, barriga e pernas, requerendo em seguida a bateria de “raios-xis“, ecocardiogramas e análises clínicas que haveriam de ditar o juízo final.

E se não agradeceu à divina providência mais a ordem para urinar deitado (experimenta e logo falas), por certo agradeceu ao enfermeiro que lhe tirou o plano das costas quando o desconforto e as horas passadas se tornavam em si só a causa de todas as dores.

Quanto à coluna, a oeste nada de novo, ou assim lhe disseram ao fim de nove horas e igual ansiedade, para alívio e felicidade geral: “Desta já te safaste.“, pensou, enquanto saía do hospital pelo próprio pé mais um gesso de recordação pela mão.

E não, não soube agradecer a Deus, talvez porque Deus não só não existe, como não foi Deus quem o imobilizou, transportou e avaliou. Ao invés, agradeceu ao Serviço Nacional de Saúde, o qual, num sábado de Julho e de férias, soube devolver a um homem a esperança, e a capacidade, de voltar a andar.

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