O “bullying” do desemprego

Falamos muito do "bullying" nas escolas e nas principais etapas de transição dos nossos jovens, mas, se repararmos bem, existe um fenómeno deste tipo nos adultos que é gravíssimo e que, a meu ver, estamos a descurar: o "bullying" do desemprego

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Yuriko Nakao/Reuters

Estar desempregado, na maioria dos casos, remete a pessoa para uma situação complicada que vai desde o questionar da sobrevivência económico-financeira (sua e muitas das vezes de quem está dependente); alterar hábitos e rotinas que se instalaram no tempo em que se teve emprego e a sensação de desadequação e inadaptação. Contudo, o problema vai muito mais além do que isto. Vejamos:

Aos jovens adultos, com um processo educacional bastante diferente do da geração anterior, foi incutida a ideia de que tudo é possível desde que se invista arduamente. No final do percurso, acontece que o que se quer ser não é compatível com o que se pode ser.

Às pessoas actualmente na meia-idade, que tiveram em grande maioria que abandonar a sua infância precocemente para “ingressar” na idade adulta porque as condições sociais e de tempo para crescer eram reduzidas, foi-lhes prometida uma vida sem provações maiores que aquelas que viveram. Quando, agora, não só enfrentam desempregos de longa duração, vêem as suas famílias a desmoronar-se sem conseguir dar-lhes suporte e ainda têm de conseguir enfrentar o dilema absurdo que se mitificou em Portugal — “não se é tão novo para recomeçar a vida, mas também não se é tão velho para se poder aposentar” — resulta para estas pessoas uma sensação de tal impotência que conduz ao maior nível de depressões que já registamos.

Aos aposentados foi vendida a ideia de que, depois de uma vida farta de trabalho, teriam como recompensa a garantia de bem-estar para envelhecer activamente e com tempo para serem felizes. Na prática, muitos têm de morrer de pé, como as árvores, para tentar dar suporte aos seus filhos, netos e sobrinhos para que os mesmos possam também construir os seus projetos de vida e/ou, meramente, sobreviver.

Nisto tudo, o "bullying" manifesta-se vindo do Estado e das empresas que aproveitam a onda de desespero para impor a moralidade imoral de que se acham detentores. Muitos dos "self-made men" que, após o 25 de Abril, conseguiram construir pequenos impérios, esquecem-se da sua frágil origem e afirmam que toda a gente consegue emprego desde que queira, o que é uma total mentira: os tempos e as condições não são os mesmos; os abastados continuam na sua linha de insensibilidade aos mais desprotegidos, a não ser que isso beneficie a sua imagem de pessoa caridosa e quase santa; os vectores do Estado responsáveis por estes domínios permanecem na ideia de que as pessoas são apenas uma taxa de desemprego que tem de ser reduzida, maquilhando tudo com medidas de empregabilidade/recrutamento de eleitores para Outubro e, com a máxima de “invistam no empreendedorismo e inovação”, que, em muitos casos, leva apenas a mais umas quantas insolvências.

A desresponsabilização do Estado dá lugar a que haja jogos de poder que levam a um nítido "bullying" sobre os desempregados. Resta-nos, muitas vezes, a voz para dizer: que nunca se pense que se é melhor do que outro por se ter emprego/dinheiro/poder, porque na verdade, ninguém é melhor que ninguém.

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