O 25 de Abril ainda não chegou às touradas

Quando um forcado diz, sem pudor, que se pudesse eliminar um acontecimento da História de Portugal seria o 25 de Abril

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Valentin Flauraud/Reuters

Estamos em plena Silly Season, mas há acontecimentos que não podem (não devem) passar incólumes entre uma e outra bola de berlim, um e outro mergulho de mar. Trago um assunto que me é muito querido, embora não novo: a tauromaquia.

Na semana passada, a 23 de Julho, realizou-se no Campo Pequeno (mais) uma corrida de touros. A grande novidade foi que a Presidência da República deste país decidiu agraciar o Grupo de Forcados Amadores de Santarém por ocasião do seu centenário. As insígnias da Ordem de Mérito foram colocadas na jaqueta de Diogo Sepúlveda, cabo do referido grupo, pelas mãos do chanceler Valente de Oliveira em representação de Cavaco Silva. Mérito, leram bem.

O absurdo elevado ao extremo é que o laureado em questão, numa entrevista ao Correio do Ribatejo (que entretanto já foi removida do site; excerto aqui ao lado), diz, sem pudor, que se pudesse eliminar um acontecimento da História de Portugal seria o 25 de Abril.

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Excerto da entrevista ao Correio do Ribatejo

Ora, isto significa que o cabo reaccionário, não sendo a favor de um regime democrático, não pode, consequentemente, acreditar na figura de Estado do Presidente da República. Já não haveria muito a dizer sobre um país que subsidia uma actividade que viola os direitos mais básicos de um animal e que a exibe em televisão pública, mas isto... isto até podia ter alguma piada se não fosse real.

Por outro lado, diz o Diogo contradizendo-se, que “É um orgulho, numa sociedade que por vezes se afasta dos seus valores culturais, ver a Presidência da República reconhecer publicamente a importância do forcado (...)” e da nobre arte das lides, acrescento eu.

Cultura e tradição são dois dos vocábulos mais usados quando se fala ou escreve sobre touradas. À falta de melhores argumentos (eu sei, não é fácil), lá vêm as pobres palavras, velhinhas e tão gastas quanto o cérebro amorfo que parou mais ou menos na altura em que a Inquisição fazia furor. Para matar saudades desses tempos, restam-nos os Diogos e um Presidente da República, que não só se senta na praça, como aplaude efusivamente o espectáculo sanguinário, sempre com a sua Maria ao lado, não vá sentir-se mal com a barbárie.

E agora vão retorquir as vozes dissonantes: “A raça taurina brava só ainda não foi extinta graças às touradas”. Sim, pode até ser verdade. Reparem que eu não tenho intenção de domesticar um touro de 650 quilos e ensiná-lo a dar a pata, muito menos levá-lo a passear à Ribeira ou ao Bairro Alto.

Já o Diogo, que tem um coração do tamanho dele próprio, é capaz de ter uma mesa de apoio na sala em que os pés são os cascos do touro crucificado e o focinho esquálido foi pendurado na parede como troféu. É o espólio da insanidade, que mora sempre demasiado perto. Por mim está tudo bem Diogo, mas agora vamos reduzir-nos à insignificância de que somos feitos. Cada um na sua casa e com a sua consciência, claro está.

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