Os amanhãs que cantam ultraliberais

E toda esta ideologia é vendida como se, ao diminuirmos a legislação e o controlo democrático colectivo sobre as actividades humanas, nascesse o paraíso. Quanta ingenuidade (ou perversidade)

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Michaela Rehle/ Reuters

É encantador (e assustador) verificar como os defensores do ultraliberalismo papagueiam a sua ideologia cheia de promessas miríficas, de destinos encantados, baseando-se apenas em profissões de fé e retórica.

Entendamo-nos: nunca houve na história da humanidade qualquer sociedade regida pelos princípios do ultraliberalismo que funcionasse bem. Bem é a palavra-chave aqui. Sistemas ultraliberais já existiram (e existem) e funcionam. Só que muito mal.

Muito mal significa que distribuem pessimamente a riqueza (geram muitos pobres e poucos muito ricos), que não protegem devidamente os desamparados (porque reduzem ao mínimo os sistemas de segurança social), criam tensões sociais, promovem ciclos económicos acentuados (bolhas especulativas que sempre rebentam), estrangulam a mobilidade social e tendem a desrespeitar os direitos humanos sempre que esses colidem com o interesse das elites (ex. destruindo o direito ao trabalho com direitos).

E toda esta ideologia é vendida como se, ao diminuirmos a legislação e o controlo democrático colectivo sobre as actividades humanas, nascesse o paraíso (os tais amanhãs que cantam). Quanta ingenuidade (ou perversidade).

O poder é uma realidade relativa: não se aumenta ou diminui no seu total, apenas se distribui de forma mais ou menos igualitária (o poder de um é sempre a subjugação de outro, o poder que um ganha é sempre o poder que um outro, ou outros, perdem). O que as políticas ultraliberais fazem é distribuir o poder na direcção dos indivíduos mais fortes. O problema é que está mais do que comprovado (empiricamente) que o melhor para uma sociedade é a maior parte da distribuição do poder ser feita por órgãos colectivos democráticos, não pela vontade de indivíduos que, pela sua especial força ou perversidade, se apoderam das liberdades alheias.

Viver em sociedade

Ninguém consegue ser livre em absoluto. Mas enquanto um forte consegue maximizar a sua liberdade se o controlo colectivo for fraco, um indivíduo médio só maximiza a sua liberdade se existir esse tal controlo colectivo que permita uma redistribuição do poder.

Viver em sociedade significa abdicar de partes da nossa liberdade ideal. Mas entregar essas partes a um Estado democrático é o melhor que se consegue em prol da nossa liberdade. Se o Estado for fraco (ou não for democrático) o indivíduo vê a sua liberdade completamente saqueada pelos mais fortes na sociedade.

Por isso, defender um modelo social-democrata de sociedade é defender a máxima liberdade individual possível. É a forma mais igualitária da distribuição do poder que alguma vez, em algum momento da história da humanidade, foi possível obter. E isso é a parte que doí mais: tendo já sido inventada a tecnologia social que mais compatibiliza liberdade, progresso e felicidade, ver tanta gente a esquecer a história e a cair no canto das sereias, entoados pelos fanáticos quiméricos, ou mefistofélicos maquiavéis, que proclamam a liberdade em vão.

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