E viva o Benfica!

Quando o João andava na escola havia quatro tipos de tribos: a malta do FC Porto, os apoiantes do Benfica, os adeptos do Sporting e aqueles que perdiam

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Athar Hussain/Reuters

Quando o João andava na escola havia quatro tipos de tribos: a malta do FC Porto, os apoiantes do Benfica, os adeptos do Sporting e aqueles que perdiam, sendo que qualquer um dos três primeiros podia, de igual modo, fazer parte dos últimos, se é que me faço entender. Tendo, por força maior, de escolher por uma das quatro, e tendo em conta não estar minimamente interessado em fazer parte dos últimos, a escolha do João foi por demais óbvia no sentido de, aos dez anos de idade, tornar-se o mais novo adepto do Sport Lisboa e Benfica da turma lá da escola.

No entanto, e porque o destino vem sempre bater à porta para nos trocar as voltas, ao João calhou em sorte ser o primeiro jogo contra aquela equipa de Milão, a qual, na final dos Campeões Europeus de Mil Novecentos e Noventa, ganhou ao Benfica por um a zero através dos gloriosos (esses sim, gloriosos) Costacurta, Van Basten e Frank Rijkaard. Do Benfica desse tempo, curiosamente, não resta memória, pelo menos a esta escala, estratosférica.

Desiludido, e fazendo agora parte daqueles que perdem, teve o Joãozinho a felicidade de encontrar no seu amigo Miguel o sábio conselho para se juntar às hostes do FC Porto, não só por vestirem de azul (a sua cor favorita) mas porque, e mais importante que tudo, "O FC Porto nunca perde". Isto, e o facto do vermelho ser cor de meninas, levou a que, até hoje, o Fêcêpê seja o seu clube de coração. E se pelo caminho ainda apoiou o Belenenses (porque também vestem de azul), a verdade é só uma: uma vez Dragão, Dragão para sempre.

Dezasseis campeonatos depois, o João cresceu. Pelo caminho houve uma grande crise na sua terra de origem (Portugal, acho eu, qualquer coisa a haver com uma "trika", "troika", ou uma pôrra qualquer e muita gente sem emprego) e o João mora agora no estrangeiro. Hoje não tem televisão e vê tudo pela Internet. Tudo, excepto futebol.

Desiludido, e por ter tido de fazer parte daqueles que perdem, aqueles sem emprego nem futuro, não teve o João outra opção senão a de se fazer à vida antes que a vida se fizesse a si, de modos que bola, lá em casa, não entra, porque entretanto o João é casado e os momentos a dois não se compadecem das idiotices passadas entre cem metros de relva, uma bola e duas balizas. Não. Isso, meus caros, foi chão que já deu uvas. Ou relva.

"Priorities, that's what it is", e neste caso a "priority" é a vida que a gente leva. Por isso, e por este motivo, a questão, sempre premente, sempre presente, nos dias de hoje: porque que raio depositam certas pessoas as esperanças, e as poupanças, de uma vida, na vã falibilidade das pernas de vinte e dois jogadores, onze para cada lado? Será pancada? Terá cura? E haverá medicação (Deus queira)? Porque raio batem certos homens em certas mulheres e certos filhos, e vice-versa, em função de um jogo (porque é de um jogo que se trata, onde se joga e onde se brinca) mais noventa minutos? E porque diabo se veste todo um país a verde e vermelho quando no dia a seguir (e no dia anterior) está tudo a falar em Inglês nas redes sociais?

Está tudo com os copos ou é "apenas" esquizofrenia com um "je ne sais quois" de polvo à lagareiro? Por isso, e por tal, não deixes de ver futebol, que não é preciso.... ao invés, olha-te ao espelho e repara nos que estão contigo: dificilmente, encontrarás o Marco Van Basten.... Porque entretanto o João cresceu, e se já não chama m... ao Benfica como no antigamente, por certo chama m... ao futebol no seu todo, porque entretanto o Governo agradece o pão, e o Governo agradece o circo, conquanto esteja tudo a dormir, noventa minutos de cada vez, mais ou menos o espaço de tempo para aprovar todas as leis que te hão-de enterrar a descendência. E viva o Sporting Clube de Espinho!

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